Mercedes AMG, BMW M, Audi RS. Contra as sub-marcas desportivas dos três grandes construtores alemães, a Tesla avança com a nova geração do Model 3 Performance. E os seus méritos já não se ficam apenas pelas acelerações fulgurantes em reta. Os americanos estão a aprender…
Fazer um desportivo elétrico com elevada potência e acelerações de tirar o fôlego não é novidade, nem uma dificuldade para um construtor como a Tesla, que os faz há anos. Mais difícil, para quem tem só 21 anos de existência, é afinar uma dinâmica digna de um verdadeiro desportivo. Os seus rivais alemães têm décadas de experiência a fazer exatamente isso, tendo criado departamentos específicos para desenvolver os seus desportivos mais radicais, que se tornaram em verdadeiras sub-marcas famosas como a Mercedes AMG, BMW M e Audi RS. No Model 3, a Tesla ainda se fica pelo nome genérico Performance, para a versão mais desportiva, os ultra-potentes Plaid estão, para já, reservados aos Model S e Model X. Mas há um símbolo na tampa da mala do Model 3 Performance, quase igual ao dos Plaid, que indicia algo mais para o futuro.
Segunda geração
Esta é a segunda geração do Model 3, que substitui a lançada em 2017. Parece apenas um restyling, mas as mudanças não são poucas. Conhecido internamente como projeto Highland, este novo Model 3 recebeu reforços na estrutura, mantendo um peso relativamente baixo de 1914 kg, apesar de ter vidro duplo em todos os painéis vidrados, incluindo o tejadilho, para reduzir o ruído que chega ao habitáculo.
O Cx anunciado para a versão base desceu de 0,23 para 0,22, mas não há dados para o Performance. Talvez porque os para-choques da frente têm “air curtains” nos extremos e um splitter inferior a toda a largura que aumenta a “downforce” dianteira em 35%. Os faróis esguios são comuns aos outros Model 3 novos. Mas o para-choques de trás é diferente, com desenho de difusor e, na tampa da mala, um spoiler em forma de lâmina. As jantes também têm desenho novo, são forjadas com carenagens plásticas, que os clientes tiram no primeiro dia, para deixar ver melhor as maxilas vermelhas dos travões desportivos. Tudo muito discreto, comparando com os AMG, M ou RS.
Mas um olhar mais atento desvenda o que realmente importa. A suspensão é 10 mm mais baixa e as jantes são de 20”, com pneus Pirelli PZero mais largos atrás que à frente (275 e 235, enquanto que no anterior Performance eram 235 nas quatro rodas). A suspensão foi muito alterada, mantendo os braços sobrepostos nas quatro rodas, mas com molas mais firmes, casquilhos diferentes, barras estabilizadoras mais grossas e amortecedores adaptativos. A direção também foi recalibrada, sobretudo na assistência que deixou de ser demasiado leve em qualquer dos três níveis que o condutor pode escolher. Como nos outros Tesla, o Model 3 não tem modos de condução pré-definidos, mas o condutor pode ajustar vários parâmetros em separado, alguns com nomes pretensamente humorísticos: Aceleração (Relaxado/Normal/Louco), Suspensão (Normal/Desportivo) e Peso da direção (Claro/Normal/Pesado). Ainda pode escolher fazer arranques com patinagem, o que pode ser útil em pisos nevados, mas não pode regular a intensidade da regeneração que tem ajuste automático de acordo com o trânsito e o perfil da estrada. É sempre intenso, o que exige habituação, mas ao fim de poucos dias já é de uso natural.
O que se ganhou
Face ao Model 3 Performance de 2018, houve um ganho anunciado de 0,3 segundos na aceleração 0-100 km/h, se bem que a Tesla continua a subtrair o “roll out”, ou seja, os primeiros metros que não são feitos logo a fundo, para preservar a tração, anunciando 3,2 segundos. A bateria mantém os mesmos 75 kWh de capacidade útil, mas a autonomia WLTP desceu 2 km para os 528 km. A potência de carregamento máximo é de 250 kW, nos carregadores da marca, sendo anunciado um tempo de 15 minutos para obter 275 km de autonomia. Um dado demasiado vago para merecer comparações. A velocidade máxima de 262 km/h subiu 1 km/h e continua a ser bem mais alta que a maioria dos elétricos, o que é ótimo para as “autobahn”.
Outra mudança muito significativa foi nos motores usados, mais potentes e mais eficientes. O motor da frente tem 215 cv (tinha 200 cv) e o de trás tem 412 cv (tinha 287 cv). A potência anunciada para a versão anterior era de 480 cv, perto da soma dos dois motores. Mas a potência anunciada para o atual Performance é de 460 cv, ficando longe dos 627 cv, que seriam a soma dos dois motores novos. A Tesla não dá explicações, mas não é difícil concluir que se trata de uma limitação da bateria, que não tem potência suficiente para mais. Ainda assim, não é pouco…
Projeto highland
O projeto Highland passou também pelo melhoramento da qualidade apercebida no interior, o que se nota ainda mais nesta versão desportiva, com superfícies de bom toque, troca de acabamentos brilhantes por mate e aplicações de efeito metálico e fibra de carbono. Melhores também os dois bancos desportivos dianteiros, com ventilação e apoio de cabeça integrado. O volante tem diâmetro pequeno, mas é um círculo completo, não um “meio volante” como nos Plaid. O seu problema é que não há hastes na coluna de direção, por isso os “piscas” estão no braço esquerdo do volante e os botões dos faróis, do lado direito. Para piorar as coisas, são de comando háptico, obrigando a olhar para cada um deles. Usar os “piscas” corretamente numa rotunda, é quase impossível.
O habitáculo não recebeu mais alterações a não ser um monitor tátil de 8” para os lugares de trás, que continuam a ter muito espaço em comprimento e altura, mas um piso um pouco alto. A mala tem 425 litros de capacidade e o “frunk” acrescenta mais 88 litros. Foi pena a Tesla não ter aproveitado esta grande mudança para trocar a pequena tampa da mala por uma quinta porta, o que facilitaria muito o acesso e a visibilidade para trás, que é francamente má.
Modo Pista
Mas a grande novidade é um novo modo de utilização chamado Modo Pista. Ao contrário do que o nome sugere, não se trata de algo para usar apenas em pista. Tal como nos outros, não é uma pré-configuração, mas um acesso ao ajuste de um conjunto diferente de parâmetros de condução. O primeiro é Gerir o Equilíbrio que tem três hipóteses: Subviragem/Neutro/Sobreviragem, depois há o Assistente de Estabilidade, o ESC, que pode ser usado em Desligado/Mínimo/Reduzido. Também a Travagem Regenerativa pode ser aqui ajustada de 0 a 100%. Depois ainda há uma função para arrefecimento da bateria pós-condução. As combinações preferidas podem ser guardadas num modo a que o condutor pode dar o nome que entender.
Como quase todos os testes, também este começou pela cidade confirmando a extrema suavidade do conjunto motriz e ótima insonorização. O tejadilho em vidro isola bem do calor e a Tesla garante que dos UV também. A posição de condução é a típica do Model 3, com a frente muito baixa a fazer parecer que o condutor vai muito alto. Mas a relação entre volante, banco e pedais é boa. Críticas para a ergonomia. Não há um painel de instrumentos atrás do volante, o que obriga a desviar os olhos para o topo do monitor tátil central de 15,4”, para ver coisas tão simples como a velocidade.
O comando da transmissão também se faz através de um “slider” no canto superior esquerdo do monitor, o que não é nada prático nas manobras; junto ao retrovisor há uma duplicação das posições P, R, N, D em botões fisícos. A própria organização do sistema é pouco intuitiva, como muita informação dada por escrito, o que obriga a desviar a atenção da estrada com frequência. Por exemplo para regular a climatização. Nos momentos em que se espera que a bateria carregue há muito entretenimento disponível e também há muitos e grandes porta-objetos na consola central.
Dinâmica otimizada
A direção está bem assistida em qualquer dos três níveis, talvez até um pouco pesada para alguns. É muito direta, o que obriga a movimentos pequenos e bem calculados. O raio de viragem de 11,7 m atrapalha nas manobras e a travagem regenerativa obriga a habituação. A suspensão, no nível mais macio, é confortável se o piso não tiver irregularidades bruscas, os casquilhos novos fazem um bom trabalho nas passadeiras elevadas e em algumas bandas sonoras. A experiência de condução em cidade só difere de outras versões pela firmeza da suspensão e tato da direção. Numa condução normal em cidade, com A/C desligado, o consumo real foi de 12,8 kWh/100 km, o que equivale a uma autonomia real em cidade de 586 km.
Em autoestrada, a suspensão faz um bom trabalho, tanto no modo menos amortecido como no mais amortecido, mantendo estabilidade e conforto, com uma sensação de potência disponível típica da Tesla: mal se toca no acelerador, o Performance salta para diante. Muito boa estabilidade e controlo, não se notando muito o efeito do peso, mesmo sobre lombas ou depressões. Neste terreno, o consumo real obtido a 120 km/h estabilizado foi de 18,5 kWh/100 km, o que equivale a uma autonomia real em autoestrada de 405 km. Em ambos os casos, são valores que mostram a boa eficiência do conjunto, mesmo com dois motores e uma bateria relativamente pequena de 75 kWh úteis.
Trabalho bem feito
Mas faltava o mais interessante, testar o Performance numa estrada secundária com curvas exigentes para ver se está ao nível dos rivais alemães. Começando por testar várias combinações dos parâmetros Aceleração, Suspensão e Direção, rapidamente se conclui que colocar tudo no máximo é o ideal para começar a conhecer o Performance. A aceleração é realmente muito impressionante, um hábito da marca que parece servir mais para impressionar os amigos.
Uma gestão de binário ligeiramente menos agressiva facilitaria a condução rápida, tanto mais que a direção se mostra demasiado direta, resultando num efeito um pouco nervoso nas entradas em curva feitas depressa. A atitude começa por ser neutra e termina numa atitude ligeiramente sobreviradora à saída das curvas. A aderência dos PZero é excelente, bem como a sua direcionalidade e precisão. O segundo nível de amortecimento traz um maior controlo das massas em mudanças de direção bruscas e evita a inclinação lateral excessiva. Até aqui, o Performance mostra uma atitude dinâmica precisa e amortecimento sofisticado. O Modo Pista leva tudo para outro patamar.
A hipótese de regular a intensidade da travagem regenerativa, é ótima para variar o efeito entre as vias rápidas e as estradas sinuosas, onde os travões ventilados nas quatro rodas agradecem a ajuda. Mas o mais impressionante é a Gestão do Equilíbrio, que faz variar a distribuição de binário entre os dois eixos. Na verdade, o que faz é reduzir o binário entregue a um dos eixos, de acordo com os desejos do condutor. Escolhendo o nível Neutro, o Performance entra em curva com boa resistência à subviragem que transforma numa ligeira deriva de traseira que nem precisa de correção. Será o nível adaptado a mais condições de condução. Passando ao nível Subvirador, a tendência é muito neutra, muito segura e dando enorme confiança ao condutor para exagerar. Os PZero não permitem grandes saídas de frente, pelo contrário, a atitude mantém-se extremamente estável e neutra. É o modo perfeito para dias de chuva ou estradas escorregadias, está muito bem afinado. O terceiro nível é o sobrevirador, que vale a pena testar de imediato com o ESC desligado. Mal se insere a frente em curva, a traseira inicia logo uma deriva, com um início que não é muito progressivo, mas que depois se controla com facilidade, usando o acelerador e volante para manter um “drift” bem sustentado. É um modo que exige espaço e bom planeamento do uso do acelerador, que podia ser um pouco mais progressivo. Mas a diversão está garantida e nem é preciso ir para nenhuma pista.
Conclusão
O Modo Pista mostra como a Tesla conseguiu pegar numa ideia nova e fazer um desenvolvimento muito consistente, com óbvias vantagens para um condutor interessado e experiente. Só é pena que todos os comandos sejam feitos através de “sliders” no monitor tátil. A suspensão mostra uma maturidade de afinação típica das marcas alemãs. Agora só falta perder a mania de disparar binário mal se carrega no acelerador, menos seria melhor. Quanto ao minimalismo do interior, pouco há a fazer. Um fornecedor independente está a propor uma alavanca para os piscas como “retrofit” e isso diz tudo.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
Tesla Model 3 Performance
Potência: 460 cv
Preço: 57 490 euros
Veredicto: 4
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