A marca de Milão, fundada em 1910 entra na era elétrica com o B-SUV Junior. Neste Primeiro Teste TARGA 67, conduzido por Francisco Mota no histórico complexo de pistas de Balocco, em Itália, a marca disponibilizou as primeiras unidades da versão Elettrica 280 Veloce: o mais potente e mais desportivo tinha que ser o elétrico.
Desde 2021, quando a Alfa Romeo passou a fazer parte do grupo Stellantis, que um B-SUV como este Junior estava previsto. Para fazer subir as vendas e dar outro alcance à marca, era fundamental ter modelos mais acessíveis e estar presente nos segmentos mais vendidos, como é o caso dos B-SUV. O exercício tornava-se ainda mais natural tendo em conta as sinergias do grupo.
Feito com base na plataforma CMP, que partilha com praticamente todas as marcas de grande produção do grupo, por exemplo o Peugeot 2008 ou o Opel Mokka, o Junior pôde ser desenvolvido em apenas três anos e com um custo três vezes mais baixo, do que se tivesse usado uma plataforma única.
O jogo das plataformas
Neste jogo das plataformas, a Stellantis tem sido particularmente feliz na diferenciação entre os vários modelos que as partilham, nomeadamente na CMP. É sabido que, para manter os custos controlados, há apenas três áreas em que se pode intervir: o estilo exterior, o ambiente interior e o acerto dinâmico. Para quem já guiou um Jeep Avenger e um Peugeot 2008, fica bem claro o elevado nível de diferenciação atingido.
Tratando-se de um Alfa Romeo, essa preocupação foi ainda maior. Basta olhar para o estilo da carroçaria, obra do estilista Alejandro Mesonero-Romanos, que junta as proporções de um B-SUV moderno com alguns detalhes inspirados em modelos icónicos do passado da marca.
Passado e presente
A frente tem óticas de três elementos, um recurso muitas vezes usado no passado, a grelha triangular não é grande, porque não é preciso, o que permite colocar a matrícula ao meio e não do lado esquerdo. O acabamento da grelha pode ser uma espécie de “zoom in” do emblema da marca, ou ter um desenho mais clássico, dependendo da versão.
Os puxadores das portas traseiras estão dissimulados na zona vidrada. Por fim, o vidro traseiro tem uma forma de trapézio invertido, que aumenta visualmente a impressão de largura de ombros sobre as rodas de trás. O toque final é dado pela traseira quase na vertical, uma alusão à “coda tronca” usada por alguns modelos dos anos 1960. Mais do que um somatório de detalhes emblemáticos, o Junior tem um aspeto íntegro e moderno, com as jantes muito abertas de 20” a dar um toque desportivo.
Versatilidade está lá
Antes de me sentar ao volante para este Primeiro Teste, fui à procura dos aspetos práticos que um B-SUV como este tem de oferecer a um público comprador particularmente exigente em termos de usabilidade. A mala tem 400 litros de capacidade e facilidade de acesso, com um espaço sob o piso e outro sob o capót, para o cabo da bateria.
O acesso à segunda fila de bancos não é difícil, pois o tejadilho não é excessivamente baixo. O banco não é demasiado esculpido para dois ocupante, mas claro que o lugar do meio é mais estreito e duro que os outros. O comprimento para as pernas é muito bom, considerando o segmento e a altura mais que suficiente. A utilização familiar pareceu-me garantida, o Junior não é um carro de compromissos.
Ao volante
Quanto à posição de condução, começa por agradar o tato do volante, com uma boa pega anatómica e amplas regulações. Está muito bem posicionado face ao banco que, nesta versão, tinha montados os bancos mais desportivos, com apoios de cabeça integrados, generosos suportes laterais e costas com duas partes abertas. Além de agradarem à vista e de suportarem bem o corpo, ainda são confortáveis.
Atrás do volante está um painel de instrumentos digital com o tradicional formato de binóculo, gráficos fáceis de ler e com um desenho entre o passado e o presente. O monitor tátil central de 10,25”está integrado no tablier e orientado para o condutor, em vez de estar no topo. Tem dois botões físicos de atalho, por cima e um friso de outros botões físicos por baixo, para a climatização.
Ergonomia
Não há muito espaço para guardar objetos, nesta área. O botão “engine start” ocupa demasiado espaço e nem sequer tem um estilo que o justifique. O comando da transmissão é comum a outros modelos do grupo, o balanceiro encastrado de acesso pouco intuitivo e com alguma latência. Vem acompanhado pelos habituais e minúsculos botões P e sobretudo o botão de máxima regeneração “B”,que obriga a desviar os olhos da estrada.
Mais abaixo está o também conhecido botão balanceiro dos modos de condução, que são três e no Junior recebem os habituais nomes da marca: A (Advanced Efficiency), N (Natural) e D (Dynamic), que equivalem aos modos eco/normal/sport. Além de mudarem (pouco) o nível de assistência da direção, mudam também o binário máximo disponível até ao batente do acelerador: o máximo de 345 Nm, nos modos N e D e 300 Nm, no modo A.
E o “manettino”?…
Tendo em conta o papel importante que os botões rotativos têm noutros modelos da Alfa Romeo, é uma pena que as sinergias não tenham autorizado que o botão ADN dos modos de condução seja um belo “manettino” colocado no volante, ou que o botão “B” não esteja também entre os botões do volante. Também seria bom ter patilhas atrás do volante para regular entre vários níveis de regeneração na desaceleração, algo que as sinergias também não deixaram.
Mas a minha maior crítica, do interior e de todo o Junior, vai para a qualidade dos materiais do topo do tablier e das quatro portas: plásticos duros, que nem sequer têm um acabamento particularmente cuidado. É verdade que há aplicações de Alcantara noutras zonas do tablier e forros das portas, bem como pespontos nos bancos. Mas a enorme área de plástico negro e duro no topo do tablier está sempre no campo de visão.
Pista que é uma estrada
Analisada a parte estática, num Primeiro Teste obrigatoriamente limitado no tempo, foi então altura de entrar em pista. A versão Elettrica 280 Veloce que guiei ainda não terminou o processo de homologação, porque inicialmente o novo motor M4+ era para ter apenas 240 cv, por isso ainda não o pude guiar em estrada pública. Mas o “Centro Sperimentale Balocco” tem inúmeros traçados de testes que reproduzem uma enorme variedade de situações.
Pela primeira vez desde a sua inauguração em 1962, a Stellantis autorizou condutores externos à empresa a usar a pista “Langhe”, que reproduz uma estrada secundária com duas faixas e 20 km de extensão. Tem curvas de todos os tipos e pisos de qualidade variável, além de limites de velocidade que tinham de ser cumpridos. Não é uma pista de velocidade, é uma réplica de uma estrada.
Muito “modificato”
Face a outros modelos que usam esta plataforma, os engenheiros da Alfa Romeo modificaram muita coisa na suspensão, que baixou 25 mm. As molas são as mais duras até agora usadas, tal como os amortecedores, mas foram montados batentes hidráulicos duplos. As barras estabilizadoras também são diferentes, mantendo-se o esquema MacPherson mas com um novo suporte do cubo, na frente e barra de torção com barra Panhard, atrás. A direção é mais direta com relação 14,6:1.
As primeiras impressões chegam da posição de condução, pouco alta para um B-SUV e da direção, que tem a assistência certa, em qualquer dos modos de condução, não ficando exageradamente pesada em Dynamic. Os pneus Michelin Pilot Sport EV mostraram excelente precisão e boa informação do piso.
Nada radical
Os travões mostraram boa facilidade de doseamento e o modo “B” faz uma retenção na desaceleração muito equilibrada, sem excessos. Outro elogio vai para a gestão de binário entregue às rodaz motrizes dianteiras. Em qualquer dos modos, a força do motor elétrico é evidente, mas sem saltos para diante. As rodas recebem o binário de que necessitam a cada momento, consoante as solicitações do condutor e nada mais.
Em zonas de encadeados de curvas, feitos sempre dentro dos limites normais de uma estrada pública, a suspensão não deixa gerar muita inclinação lateral e mantem os movimentos da carroçaria sempre muito bem controlados, contribuindo para uma satisfação de condução que não se encontra nos outros modelos que usam esta plataforma.
Tato desportivo, claro
Claro que a suspensão é mais dura no Junior, não são precisos muitos quilómetros para perceber que, pelo menos nesta versão, o tato é claramente desportivo. Em pisos em pior estado, chegam alguns safanões ao habitáculo. Em particular ao passar por cima de uma travessa metálica transversal à estrada, a suspensão da frente reagiu com alguma violência e ruído. Mas não se pense que este Junior é um desportivo radical. Na maioria dos casos, a pista “Langhe” permitiu-lhe exibir um tato sofisticado.
Depois de duas voltas a este percurso, foi altura de passar às coisas sérias, ou seja, à chamada pista Alfa Romeo, muito mais curta e desenhada como uma verdadeira pista de competição, com zonas rápidas e outras muito lentas, num traçado capaz de mostrar o melhor (e o pior…) de qualquer carro. Modo D selecionado e a primeira aceleração a fundo na reta mostra que os 280 cv estão bem presentes. A aceleração 0-100 km/h anunciada é de 5,9 segundos, altura em que o novo motor da Stellantis atinge as 15 200 rpm, acompanhado por um som sintetizado relativamente discreto a ser fornecido pelos altifalantes internos. Nada de imitações de escapes antigos.
Nem sequer é pesado
Em reta, a chegar perto dos 200 km/h máximos, a sensação de estabilidade é muito boa e a direção nunca se mostra nervosa, ao contrário do que acontece com outros Alfa Romeo. Quando chega a altura de travar forte, os discos dianteiros de 382 mm, apertados por maxilas de quatro êmbolos, mostram bom ataque inicial, potência (fazem 1,12 g) e resistência.
A verdade é que esta versão elétrica pesa “apenas” 1590 kg, menos 190 kg que o Smart #1 de 272 cv, e isso percebe-se ao longo da pista. Mesmo numa sequência de curvas mais rápidas, o Junior nunca se sente pesado, pelo contrário, sente-se ágil e com facilidade de ajustar a trajetória.
Até tem um Torsen
Para as curvas lentas, a Alfa Romeo preparou uma surpresa, uma raridade nos tempos que correm em que quase tudo se resolve com eletrónica. Em vez de um controlo de tração atuado através da travagem seletiva de cada roda motriz, os engenheiros tiveram ordem para ir buscar um diferencial autoblocante mecânico Torsen.
Trata-se da quarta geração, Torsen D, com metade das dimensões e peso da geração anterior e capaz de lidar com os 345 Nm do motor elétrico, disponíveis entre as 250 e as 4875 rpm. É a primeira vez que é aplicado a um elétrico de tração dianteira e tem a vantagem de uma atuação progressiva, tanto em aceleração, fazendo até 36% de bloqueio, como em desaceleração, com 34%. Se a primeira parte traz a óbvia vantagem de uma tração sem falhas, mesmo quando acelerei a fundo a meio de uma curva muito fechada; em desaceleração, ajuda a inserir a frente em curva.
Ágil e eficiente
E isso nota-se bem na maneira natural como o Junior “salta” de curva em curva, sempre com a frente muito obediente, livre de subviragem e, também aqui, com o binário disponível a ser muito bem gerido. E nem falta a “agilidade” de que alguns condutores gostam: desaceleração brusca na entrada em curva e a traseira desliza de forma ligeira e progressiva, fácil de comandar.
Os engenheiros da Alfa Romeo fizeram um belo trabalho na dinâmica do Junior. A prova disso foi que, ao final das voltas que tinha alocadas à pista, não resisti a pedir mais uma… só para confirmar as minhas impressões.
E quanto custa?
Com tanta emoção em jogo, claro que ficou de fora a confirmação de alguns aspetos importantes para um carro elétrico como este. A bateria de 54 KWh anuncia uma autonomia de 410 km, pode ser carregada até 100 KW DC, situação em que demora 30 minutos a ir dos 10 aos 80% de carga.
Sendo a CMP uma plataforma “multi-energias” é claro que o Junior vai estar disponível também em versões a gasolina mild hybrid. Assim, a gama e preços para Portugal será esta: Ibrida 1.2 MHEV de 136 cv (menos de 30 000€), elettrica de 156 cv (38 500 €), elettrica Speciale de 156 cv (40 500€) e elettrica 280 Veloce (47 500€). O primeiro abre encomendas a 15/7 e o Veloce só em Setembro, com entregas previstas para Janeiro.
Conclusão
A Alfa Romeo conseguiu com o Junior fazer um B-SUV com uma interpretação atual do estilo tradicional da marca. Claro que teve algumas condicionantes, sobretudo em termos de interiores, mas fez um excelente trabalho na dinâmica. Ainda só guiei a versão elétrica mais potente, falta ver se o espírito desportivo, mas não radical, se transfere também para as versões mais acessíveis.
Francisco Mota
Ler também, seguindo o link: