Na Stellantis, a arte de partilhar plataformas foi desenvolvida ao detalhe. Mesmo quando 60% dos componentes são iguais, apenas um olhar atento e conhecedor o consegue descobrir. O FIAT 600e 100% elétrico é mais um exemplo, conduzido por Francisco Mota e fotografado por João Apolinário no Teste TARGA 67.























Chama-se CMP (Common Modular Platform) e trata-se da plataforma da Stellantis mais usada neste momento. Serve de base a todos os modelos do segmento B e B-SUV de todas as marcas do grupo, conseguindo assim uma contenção de custos notável. Tanto mais que se trata daquilo a que na Stellantis se chama uma plataforma “multi-energia”.
CMP “multi-energia”
Ou seja, a CMP serve tanto para modelos 100% elétricos como para modelos híbridos ligeiros, os chamados “mild hybrid”. Tive ocasião de visitar a fábrica de Tychy, na Polónia, onde alguns dos modelos que usam a CMP são feitos, nomeadamente este 600e, os Jeep Avenger e o novo Alfa Romeo Junior.

Em conversa com o diretor da fábrica, Tomasz Gebka, fiquei a saber que o tempo de produção de qualquer das duas motorizações é idêntico e que a linha de montagem final permite alternar entre um “mild hybrid” e um 100% elétrico com toda a facilidade: “só preciso que me digam quantas unidades querem fazer de cada motorização…” afirmou.
Primeiro os elétricos
É esta versatilidade da plataforma e da linha de montagem que permite às marcas da Stellantis organizar a sua oferta de acordo com a procura do mercado. A estratégia tem sido começar pelos 100% elétricos e depois adicionar os MHEV (Mild Hybrid Electric Vehicle), o que serve tanto para “desnatar” o mercado, como para responder às alterações da procura.

Fazendo contas por alto, o FIAT 600e partilha a CMP com modelos como o DS 3, Peugeot 2008, Opel Mokka, Jeep Avenger e Alfa Romeo Junior, só para referir os B-SUV. Depois ainda há os utilitários “hatchback”. São muitos modelos que partilham em média 60% dos componentes, considerando o seu custo.
Três áreas de trabalho
Mas se esta partilha não é segredo para ninguém, a verdade é que a Stellantis consegue dar uma personalidade própria a cada um destes B-SUV. E só tem três áreas de trabalho para o conseguir: o estilo exterior, o ambiente interior e o acerto dinâmico. Parece pouco, mas o trabalho tem sido de uma eficiência notável.

Veja-se o caso deste 600e, que segue à risca o estilo do 500 elétrico, numa interpretação logicamente maior, com cinco portas e 4,17 metros de comprimento. Tanto o desenho da frente, do perfil, da traseira e das luzes de trás fazem claramente parte da família 500. Mas sem que o resultado final pareça um 500 insuflado.
Inspirado no 500e
O mesmo no habitáculo, com um tablier de formas também inspiradas no 500, mantendo as pouco práticas teclas P, R, N, D e B da transmissão automática em botões separados a meio da consola. Depois acrescenta um porta-objetos com tampa magnética, já visto no Jeep Avenger. Mais abaixo está o botão balanceiro para os modos de condução, um dos poucos que transita de outros modelos.

O painel de instrumentos digital concentra a informação num único semi-círculo, tal como o 500, o que não facilita a consulta de alguma informação. Quanto ao monitor central tátil, é mais largo que alto e está bem integrado na consola mas é um pouco confuso de usar.
Boa posição de condução
Excelente o volante de apenas dois braços, com formas anatómicas que agradam às mãos e botões físicos fáceis de usar. A posição de condução é muito boa, não muito alta para o segmento e com ajustes mais que suficientes na coluna de direção e banco, que é confortável, apesar de não ter muito apoio lateral.

A consola central não rouba espaço na primeira fila, mas o 600e não é um carro largo. Na segunda fila cabem dois passageiros com espaço suficiente para as pernas, mas a largura não convida a levar três pessoas. Altura disponível é suficiente mas o acesso é estreito. A mala tem 380 litros de capacidade e é fácil de aproveitar.
O “truque” da FIAT
Numa vista à volta do habitáculo é fácil perceber que todos os plásticos são de tato duro, com a escolha de cores a disfarçar bem esse efeito, um “truque” que a FIAT domina no 500 há muito tempo. Ainda sobram aplicações macias no tablier e nas portas, para alegrar esta versão base RED.

A FIAT decidiu manter uma suspensão relativamente firme e controlada, para dar ao 600 um “feeling” de condução ágil, com algo de comum com o 500. Os pneus de medida 215/65 R16 fazem o oposto e procuram restituir algum conforto, mas o mau piso não é o melhor companheiro para o 600e.
Em cidade
A direção está demasiado assistida, em qualquer um dos modos de condução (Eco/Normal/Sport) mas a resposta do acelerador é bem diferente entre eles. O pedal de travão é fácil de dosear e existe uma função “B” que aumenta a intensidade da regeneração na desaceleração. Está bem calibrada mas não imobiliza o 600e.

O motor elétrico é a última evolução para esta plataforma, tem 156 cv e 260 Nm. Mesmo em modo Eco, tem uma resposta rápida mas nada brusca, sendo o modo mais adequado para usar em cidade. É muito silencioso e sobe de rotação de forma progressiva. A tração às rodas da frente não é afetada com o alto binário máximo no arranque.
Consumos razoáveis
No meu habitual Teste TARGA 67 de consumos reais, feito sempre com A/C desligado obtive um consumo de 13,1 kWh/100 km em cidade. Considerando a capacidade útil da bateria de 51 kWh (54,0 kWh brutos) a autonomia real em cidade atinge os 389 km. Em autoestrada, circulando a 120 km/h constantes, o consumo subiu aos 20 kWh/100 km, o que equivale a uma autonomia real de 255 km.

A condução em autoestrada é suave e silenciosa, sendo poucos os ruídos de origem aerodinâmica e quase nenhuns os de rolamento. A disponibilidade do motor é mais que suficiente e a relativa firmeza da suspensão mantém o 600e livre de significativos movimentos parasita. Velocidade máxima de 150 km/h.
Pneus condicionam
Passando a uma estrada secundária e ao modo Sport, ganha-se outra vivacidade na resposta do motor, que faz esquecer os 1520 kg do 600e. A FIAT anuncia uma aceleração 0-100 km/h de 9,0 segundos que se traduz numa boa agilidade em traçados sinuosos, sem que o binário tenha consequências ao nível da direção.

Os travões suportam bem travagens fortes, mas num ritmo mais vivo compensa deixar a função “B” ativa, uma vez que não existem patilhas para regular a regeneração em vários níveis. Mas quando se aumenta um pouco o ritmo em percursos com curvas mais lentas e encadeadas, percebe-se que os pneus escolhidos não são a melhor opção para esta atitude ao volante.

Rapidamente os pneus da frente começam a dobrar ligeiramente sob o esforço, perdendo-se precisão e deixando a subviragem aparecer precocemente. É claro que a FIAT preferiu manter um nível de conforto com esta medida de pneu, mas perdeu claramente em precisão, agilidade e diversão da condução. Na gama 600e, existem outras opções de pneus que funcionam melhor, para quem gosta de uma condução mais envolvente.
Conclusão
A FIAT consegui com o 600e aquilo que as outras marcas da Stellantis já tinham conseguido com a CMP: fazer um B-SUV com personalidade estética própria, ambiente interior típico da marca e boas prestações. Os pneus comprometem o envolvimento da condução nesta versão RED, mas há outras opções. Quanto à autonomia, é a esperada desta plataforma.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
FIAT 600e
Potência: 156 cv
Preço: 36 350 euros
Veredicto: 3,5 estrelas
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