Andava atrás dele há algum tempo, mas ainda não lhe tinha deitado a mão. Finalmente, testei o Lamborghini Urus e logo em algumas das minhas estradas preferidas. Uma experiência que misturou a admiração com a excitação. Eu explico…
Apresentado em 2018, o Urus foi uma revolução tão grande para a Lamborghini como o tinha sido o Cayenne para a Porsche. A marca de Sant’Agata Bolognese entrava no mundo dos SUV e, claro, isso incomodou alguns clientes mais ortodoxos.
Mas, como seria de esperar, o Urus trouxe para a Lamborghini muitos outros clientes, que nunca pensariam em comprar um carro da marca mais radical do Grupo Volkswagen, tornando-se no modelo mais vendido da marca.

Não ao nível do Cayenne, como é óbvio, pois o volume de produção anual é muito mais baixo, apesar de já ter ultrapassado as 10 000 unidades.
E os preços mais altos que o SUV da Porsche. Mas há alguns pontos em comum entre os dois, o Bentley Bentayga e o Audi Q7/Q8: todos usam a mesma plataforma MLB Evo.
Ao vivo é outra “coisa”
Contudo, naquele primeiro contato já com a chave na mão – o que muda sempre a perspectiva da qual se olha para um carro – o Urus surpreende, mesmo depois de estar no mercado há três anos.
E não falo só na maneira brilhante como o gabinete de estilo dos italianos conseguiu dar a um SUV um aspecto que só podia ser de um Lamborghini.
O SUV Urus é o Lamborghini mais comprido da sua história
O que impressiona no Urus são as proporções: é largo, relativamente baixo e tem 5,11 metros, sendo o Lamborghini mais comprido de sempre.
Está um segmento acima do Cayenne. O que também impressiona são as jantes de 23” polegadas (vinte e três) que albergam discos carbo-cerâmicos: à frente têm 17” e são “mordidos” por maxilas de dez êmbolos.
Com pneus 285/35 R23, na frente e 325/30 R23, atrás a primeira coisa que me vêm à cabeça é que o Urus deve ser tão “duro” como os seus irmãos de marca. Veremos…
Gosta de hexágonos?…
“Overdesigned” é como os ingleses classificam um carro com um estilo exagerado. À primeira vista, isso parece descrever na perfeição o habitáculo do Urus. Mas um olhar mais atento e algumas horas ao volante afinam essa opinião.
É claro que a obsessão com os hexágonos domina tudo. Não será do gosto de todos, mas há razões na história da marca que o justificam.

A verdade é que houve uma preocupação em dar ao interior um ambiente próprio, evitando as parecenças com os parceiros de plataforma.
Barcos e aviões
O ecrã tátil e háptico é familiar a quem conheça os Audi de topo, mas funciona bem (apesar de não ser a última geração) e está perfeitamente integrado na consola. O painel de instrumentos digital tem gráficos ousados, mas não é difícil de ler.
A estrela é o botão “start engine”, com uma “proteção” vermelha que tem de se levantar antes de o pressionar, como nos aviões de guerra. Mas também os comandos dos modos de condução, a fazer lembrar as alavancas dos barcos “off-shore”.
A alavanca “Ego” serve para ajustar o modo configurável
Na da esquerda, a “Anima” percorrem-se os modos pré-definidos, com nomes italianos: Strada/Sport/Corsa e os outros três, para condução fora de estrada: Sabbia/Terra/Neve.
A alavanca da direita tem o nome “Ego” e não é mais do que o modo configurável, que permite “afinar” em separado e em três níveis, a transmissão, direção e suspensão. Além disso, ainda é possível ajustar o ESC entre as posições on/sport/off. Muito por onde explorar.
Imenso espaço
A posição de condução é alta, mas não mais do que num Cayenne, o banco é firme e tem pouco apoio lateral, para facilitar o acesso. Mas há outras opções de bancos. O volante tem amplos ajustes e uma pega muito boa, mas o raio é exagerado.
Grande parte do habitáculo está forrada a pele com costuras contrastantes. O que não está forrado, mostra plásticos um pouco abaixo dos melhores Audi. Também aqui, suspeito que o efeito final depende muito da configuração.

Trocando o lugar do condutor pelo banco de trás, chega a maior surpresa. Apesar do perfil SUV-Coupé, a verdade é que há amplo espaço em altura, mais que suficiente em largura e imenso em comprimento.
Juntando a isto uma mala com 616 litros de capacidade, temos um super-SUV com uma inesperada versatilidade. Só faltam mais porta-objetos.
Dia-a-dia num Urus
Usar um Urus no dia-a-dia não é um problema, até porque a direção às rodas de trás dá uma ajuda preciosa. A visibilidade para diante é boa e para trás, estão lá as câmaras.
A direção é muito leve e o motor V8 4.0 biturbo é incrivelmente disponível a baixo regime, quase parece um motor elétrico, só que acrescenta um ronronar delicioso.
A suspensão pneumática com amortecimento variável não é imperdoável
E o conforto?… Claro que as jantes de 23” fazem o Urus ter um pisar firme. Sente-se o relevo do piso mas a verdade é que a suspensão pneumática com amortecimento variável não é imperdoável quando aparecem os pisos maus. Sentem-se, mas não incomodam muito.
Consumos aceitáveis
De resto, a caixa de velocidades automática é quase sempre suave e os travões fáceis de dosear em cidade, apesar dos discos em carbo-cerâmica.
Claro que não se pode estar à espera de milagres, quando se fala de consumos. O meu teste em cidade, ainda que mais breve do que o habitual, deu-me um valor de 14,6 l/100 km.

Em autoestrada, o consumo baixa para uns muito razoáveis 11,5 l/100 km, rodando a 120 km/h, velocidade a que o Urus isola bem os ocupantes dos ruídos aerodinâmicos e de rolamento. Quanto a estabilidade, nem é preciso dizer que é soberba.
Conhecendo bem a gama Cayenne e os seus excelentes méritos em termos dinâmicos, a minha dúvida era saber se o Urus conseguia fazer melhor, ou diferente. Rumei a uma das minhas estradas preferidas, para tirar as dúvidas.
Strada, Sport e Corsa
Deixo o modo Strada que usei em cidade e passo ao Sport. Todos os comandos ficam mais tensos e mais reativos, do acelerador à transmissão, com a direção a diminuir a assistência na medida certa. O Urus ganha uma segunda personalidade.
Procuro uma reta deserta e longa o suficiente para um arranque a fundo. O V8 ruge violentamente e descarrega os 650 cv e 850 Nm nas quatro rodas, que agarram no asfalto e o atiram para trás. Após 3,6 segundos já vou a 100 km/h.
O Urus faz os 0-100 km/h em 3,6 segundos, um Hurracan Evo RWD demora 3,5 segundos
Só para dar uma ideia, um Hurracan Spyder Evo RWD faz o mesmo em 3,5 segundos. É claro que só tem tração a duas rodas, mas pesa 1509 kg, contra os 2200 kg do Urus.
Continuando a fundo até haver estrada livre, o V8 biturbo do Urus impressiona pelo incrível fulgor que mantém até ao corte perto das 7000 rpm. A caixa automática de conversor de binário e oito relações acompanha o ritmo, sem hesitações.
Depois, claro, chega a altura de travar forte. Os travões são extraordinariamente potentes e muito fáceis de dosear. Aliás, quando aquecem devidamente, são ainda mais eficientes e fáceis de usar.
E em curva, como é?
OK, isto é a chamada performance em linha. Não é todos os dias que tenho 650 cv debaixo do pé direito, por isso as acelerações impressionam e… agradam! Mas não surpreendem. O que vem a seguir é muito mais admirável.
Passo ao modo Corsa e desligo o ESC, fico entregue a mim próprio… O som do V8 é ainda mais alto, o acelerador mais sensível, desafiando a experimentar os limites deste “touro”. Sem cerimónias, atiro-o para dentro da primeira curva com um golpe de volante brusco.

A frente obedece ao milímetro, com imensa aderência e precisão. O rolamento lateral é muito pequeno e o Urus ataca a curva com uma notável tranquilidade. Como se tivesse metade do comprimento e do peso.
Neutro e eficiente, até um ponto
A reta seguinte é “exterminada” pelo poder do V8 biturbo. E depois tenho mais uma sequência de curvas médias a pedir terceira velocidade, por vezes segunda. Tento levar ainda mais velocidade para dentro das curvas, mas o Urus continua a “curvar sobre carris”.
O escape Akrapovic lança sonoras detonações que quase parecem tiros
De cada vez que faço uma passagem de caixa ou que tenho de levantar o pedal do acelerador para travar, o escape Akrapovic lança sonoras detonações que quase parecem tiros.
Com bom piso, estrada seca e sem trânsito, o nível de velocidade a que se consegue chegar obriga a muita atenção, a medir bem as distâncias, quando se usa todo o motor.
Perco-lhe o “respeito”
Com maior à vontade, subo o meu nível de empenho e “perco o respeito” ao Urus. Acelero mais cedo a partir da segunda metade da curva e com mais decisão. As barras estabilizadoras ativas mantêm a multiplicação da massa pela velocidade sob controlo.
A atitude é muito neutra, com os enormes pneus a darem excecional aderência, as vias largas a dar muita estabilidade e a suspensão a fazer o resto. A afinação do Urus é muito diferente do Cayenne, sempre mais disposto a emprestar protagonismo ao eixo traseiro.

No Urus, a atitude é sempre mais estável, mais agarrada ao chão pelas quatro rodas, mais ao estilo Audi. Mas, forçando a aceleração em curva, é possível sentir a vetorização de binário a fazer rodar a traseira, para terminar as curvas com uma leve deriva de traseira.
Nem precisa de correção, basta aliviar um pouco a pega no volante e continuar a acelerar, para ver o Urus disparar ao longo da próxima reta. Depois é questão de estar atento e dar as patilhadas na caixa na altura certa, pois, em modo manual, ela não as faz sozinha.
Impressiona, não intimida
Após uma sessão de condução rápida em estradas exigentes, mas que conheço muito bem, o Urus impressionou-me pelo extraordinário controlo que consegue, mesmo quando se pede tudo ao motor e à suspensão. Claro que o nível de performance exige um estado de alerta e de antecipação acima do normal. Mas o Urus nunca intimida.
Na dinâmica e na versatilidade, o Urus é um super-Audi, o que é um elogio
No estilo, na potência e no preço, o Urus é um verdadeiro Lamborghini. Na dinâmica e na versatilidade é um super-Audi, o que aqui tem que ser visto como um elogio. Afinal, estamos a falar de um SUV, um facto que é fácil esquecer quando se guia o Urus depressa.
Conclusão
Entre todos os modelos que partilham esta plataforma, o Urus está perfeitamente diferenciado, sobretudo a nível dinâmico, proporcionando um excelente controlo das suas elevadas performances. Demorou algum tempo até o conseguir finalmente guiar, mas não fiquei desapontado, muito pelo contrário. Para mim, que nem aprecio os SUV, posso dizer que a condução do Urus me fez esquecer esse “detalhe”.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
Lamborghini Urus
Potência: 650 cv
Preço: 296 115 euros
Veredicto: 5 (0 a 5)
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