Não é por acaso que a Kia considera o EV3 o seu modelo mais importante para a Europa nos próximos anos. O B-SUV elétrico tem muitos trunfos na manga, saiba quais no Teste Targa 67, conduzido por Francisco Mota e fotografado por João Apolinário.

Está posicionado como um B-SUV, mas as dimensões são próximas às de um C-SUV, uma impressão amplificada pelo desenho, inspirado no do “gigante” Kia EV9. Tecnicamente, o Kia EV3 até partilha a mesma plataforma E-GMP com o maior dos SUV da marca Sul-Coreana, o que só prova a imensa flexibilidade desta base de trabalho, tão apta a suportar um SUV com cinco metros de comprimento, como um de apenas 4,3 metros.

Na verdade, há aqui um “truque” nas proporções do EV3, pois o seu comprimento é igual ao de um Peugeot 2008, mas a sua distância entre-eixos fica mais próxima à do novo Peugeot 3008. Há uma razão para isto, que não se encontra apenas nas proporções de estilo, nem no aproveitamento do espaço no habitáculo. A grande distância entre-eixos é necessária para lá colocar uma grande bateria de 81,4 kWh, que anuncia uma autonomia máxima em cidade de 605 km.
A engenharia
Esta bateria alimenta um novo motor elétrico colocado em posição transversal dianteira que traciona as rodas da frente. O motor tem 204 cv e 238 Nm, sendo mais leve e compacto que nos anteriores elétricos da Kia. Este duo motor/bateria é usado pelas versões mais equipadas Tech e GT-Line, existindo uma versão Drive, que tem a mesma potência e binário mas traz uma bateria mais pequena de 58,3 kWh, capaz de 436 km de autonomia em cidade. Esta versão de entrada custa 39 900 euros.


Para este Teste TARGA 67, a Kia forneceu-me a versão intermédia Tech que custa 44 500 euros, abaixo dos 47 500 euros do topo de gama GT-Line. Ao contrário do EV9, que utiliza uma arquitetura de 800 Volt, o EV3 tem que se contentar com 400 Volt, por razões de custos de produção. Ainda assim, admite carregadores rápidos até aos 128 KW DC, situação em que demora 31 minutos para carregar dos 10 aos 80%.
Regeneração evoluída
Quanto ao chassis, o EV3 tem suspensão McPherson, à frente e independente multibraço, atrás. Tem também amortecedores sensíveis à frequência, com dois níveis de amortecimento selecionados automaticamente, consoante o tipo de estrada. A regeneração na desaceleração conta com três níveis de intensidade e ainda o nível zero, a função “one-pedal” e o modo automático, tudo se comanda por umas demasiado pequenas patilhas no volante. O função “one-pedal” imobiliza o EV3 e pode ser ativada em todos os níveis, sendo ainda possível ajustar a sua intensidade numa página do “infotainment”.



O estilo muito quadrado e decalcado do EV9 pode fazer pensar que a aerodinâmica ficou para segundo plano, mas nunca poderia ser o caso, mais ainda tratando-se de um elétrico, em que cada décima de coeficiente de penetração é importante. Na frente, há cortinas ativas que só abrem quando é preciso mais arrefecimento, o fundo tem uma carenagem que cobre 80% de toda a superfície, a via traseira é mais estreita que a da frente, as jantes (17” ou as 19” da unidade ensaiada) têm um desenho de baixa resistência ao ar, os puxadores das portas são encastrados e o para-choques de trás tem um spoiler no fundo. Com tudo isto o Cx fica-se pelos 0,26.
A ergonomia
O desenho do interior segue a tendência dos mais recentes modelos da marca, com uma “prancha” a unir o painel de instrumentos ao monitor central. No meio dos dois está um terceiro display para a climatização mas, obviamente, fica oculto pelo volante. Contudo, a meio da consola existem teclas físicas para regular a temperatura e o ventilador, para os dois lados do habitáculo. Por cima, há mais alguns comandos deste tipo, pois a Kia concluiu que os clientes preferem esta solução a ter tudo dentro do infotainment. Era bom que outras marcas concluíssem o mesmo…





Há espaço mais que suficiente na fila da frente e também na de trás, que conta com muito espaço para os joelhos e pés, o piso plano não é demasiado alto e até o lugar do meio é utilizável por adultos. O tejadilho plano facilita o acesso. A mala tem 460 litros de capacidade e um “frunk” de 25 litros e não faltam porta-objetos. Quanto à qualidade apercebida, existem alguns plásticos macios e muitos duros, bem como algumas aplicações decorativas, mas a marca continua a usar um tom de cinzento que faz tudo parecer menos interessante.
Ao volante
A posição de condução é relativamente alta, mas a relação entre o ajuste amplo do volante, o banco confortável e os pedais bem posicionados permitem uma postura direita mas correta. Em termos ergonómicos, vai mais uma crítica para a haste onde se liga o motor e se comanda a transmissão, porque fica tapada pelo volante, do lado direito, em baixo. Uma solução comum a outros Kia. No volante há ainda mais teclas físicas, melhores que as hápticas usadas noutros modelos. Uma originalidade é a prateleira deslizante que sai de dentro do apoio de braços central dianteiro. Pode ser útil para pousar um portátil, quando se tem que esperar dentro do carro que a bateria carregue.



Esta versão Tech vem equipada com pneus 215/50 R19, que provocam alguns solavancos quando o piso não é perfeito. Durante a apresentação internacional, que decorreu na zona de Cascais/Sintra, tive a oportunidade de guiar uma versão com jantes de 17” que recomendo, pois os pneus de maior perfil acrescentam conforto.
Muitos modos
Os modos de condução disponíveis são: Eco/Normal/Sport/My Drive/Snow e podem ser selecionados num botão colocado no volante. As diferenças não são muito grandes, mas percebem-se, tanto na resposta do acelerador como na assistência da direção. Comecei este Teste TARGA 67 em modo Eco, que se mostrou suave, com boa gestão da entrega de binário às rodas dianteiras. Entre os modos de regeneração acima referidos, preferi o terceiro nível, que me pareceu o mais equilibrado. Exceto no para-arranca, altura em que o modo “i-pedal” se mostrou mais prático. Em qualquer deles, o pedal de travão é fácil de dosear e tem um tato bem calibrado. A direção é leve mas não demasiado assistida e com algum tato.





No meu habitual Teste de Consumos Reais, feito com A/C desligado, em modo Eco e experimentando os vários modos de regeneração, obtive um consumo de 13,4 kWh/100 km, o que equivale a uma autonomia real em cidade de 607 km. Passando para a autoestrada a 120 km/h estabilizados, mantendo o modo Eco, mas descendo ao nível de regeneração zero, para aproveitar o efeito roda livre, o consumo que registei foi de 20,3 kWh/100km, equivalendo a uma autonomia real em autoestrada de 401 km. São valores de autonomia bons, como se esperaria de uma bateria tão grande, mas a eficiência em cidade também é boa, sobretudo para um carro que pesa 1885 kg.
Bom em autoestrada
A condução em autoestrada revelou-se muito silenciosa, não se notando ruídos aerodinâmicos, nem de rolamento, nem nenhum zunido do motor. A suspensão e os pneus controlam bem os movimetos da carroçaria, mesmo quando o piso da autoestrada não é perfeito, quase sem aquelas oscilações típicas dos SUV. Subindo do modo Eco para os outros, a potência diponível é suficiente para um familiar como este, capaz de atingir os 170 km/h de velocidade máxima. O sistema de manutenção de faixa de rodagem não é demasiado intrusivo.




Escolhendo o modo Sport e uma estrada secundária, encontra-se o reverso da medalha das jantes 19” e pneus de baixo perfil. A boa rigidez da estrutura permite um comportamento estável, que resiste bem à subviragem nas entradas em curva mais rápidas. De resto, a afinação da suspensão foi feita a pensar numa atitude muito neutra em curva, com a traseira sempre sob controlo, mesmo se for preciso travar a meio. O ESC entra em ação no tempo certo e com a força necessária e pode desligar-se. O binário máximo não põe problemas à tração e a sensação de aceleração traduz bem o número anunciado de 7,7 segundos na aceleração 0-100 km/h.
Conclusão
A vocação familiar do EV3 é evidente, tanto na boa habitabilidade, como na facilidade de utilização, com a exceção de alguns erros ergonómicos. Mas também na descontraída condução em cidade e na atitude neutra e segura, quando se acelera o ritmo, em estrada. Claro que, com uma bateria grande a autonomia em cidade é um argumento forte, um trunfo na manga. Não admira que a Kia tenha tão elevadas esperanças para o EV3.
Francisco Mota
Kia EV3 Tech
Potência: 204 cv
Preço: 44 500 euros
Veredicto: 4 estrelas
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