Para os que não ficaram convencidos com as versões menos potentes do Mustang Mach-E, a Ford preparou o GT. O elétrico americano de 487 cv leva a experiência de guiar um crossover elétrico para outro plano de performance. Para descobrir se o exercício resultou em pleno, nada melhor do que testar o Mustang Mach-E GT em estrada e em pista.
Ter uma versão mais potente e mais desportiva no topo da gama, parece continuar a ser uma boa ideia, mesmo quando se fala de modelos elétricos. O efeito continua a ser o de sempre: criar o desejo nos compradores, mesmo que depois acabem por comprar uma das versões menos potentes.
Se isso acontecer, a versão desportiva já fez o seu papel. Mas é também um instrumento para melhorar a imagem de marca de qualquer modelo, apesar de o nome Mustang não precisar disso… Ou talvez precise, tratando-se da versão elétrica.

Acresce que, no mundo dos EV é bem mais fácil fazer uma versão desportiva que no mundo dos motores térmicos. Substituir um motor de quatro cilindros turbo por um V8, como acontece no Mustang Coupé, é bem mais complicado e dispendioso do que mudar um motor elétrico por outro mais potente.
Com o bónus de que os compradores estão dispostos a pagar pela diferença de ter um GT, aumentando a margem de lucro dos fabricantes nestas versões elétricas desportivas. É bom para todos!
Melhor que o V8 a gasolina
O Mustang Mach-E GT é isso mesmo, a versão de topo da gama do crossover elétrico da marca da oval azul. A potência sobe dos 351 cv, do AWD para os 487 cv, deste GT, que tem ainda 860 Nm.

Posiciona-se acima dos 460 cv e 529 Nm do Mustang Mach 1 Coupé, com o seu V8 5.0 a gasolina. Esta versão a gasolina faz os 0-100 km/h em 4,4 segundos, para o GT elétrico bastam 3,7 segundos. Claro que nada substitui o som do V8 a passar das 7000 rpm… Ou será que já não é bem assim?
Alterações visuais
Mas os números não são tudo, continua a ser fundamental dar a uma versão desportiva um visual diferenciado, que o faça destacar do resto da gama como a versão claramente superior. Os compradores adoram isso.
Detalhes como as molduras dos guarda-lamas pintadas na cor da carroçaria, em vez de preto. A falsa grelha dianteira é aqui pintada num tom escuro, em vez de ser na cor da carroçaria e tem um efeito 3D. Claro que os para-choques têm desenhos diferentes e mais vincados, tanto na frente como atrás, incluíndo diferentes entradas de ar.
E nem falta o clássico spoiler no extremo do tejadilho, com maiores dimensões e formato mais estilizado. As jantes de 20” também têm um desenho exclusivo no GT e as maxilas dos travões são pintadas de vermelho. O tejadilho é em preto, para fazer o Mach-E parecer mais baixo e os retrovisores também são em preto, para dar o retoque final.

O ambiente do habitáculo também foi retocado no GT. Os bancos desportivos, desenhados pela própria Ford Performance, têm maior apoio lateral e revestimentos mais apelativos, tal como acontece com o volante. O ecrã tátil central, disposto ao alto, tem 15,5” e alguns gráficos também são exclusivos do GT.
Mecânica melhorada
Depois entramos naquilo que realmente interessa. O GT usa dois motores elétricos, um por eixo, sem veio de transmissão central, como é óbvio.

A Ford não divulga a potência dos motores em separado, mas sabe-se que o motor de trás é o mais potente dos dois (demora só 0.5 segundos a entregar o binário máximo) e que o da frente é mais potente que no AWD.
Segundo dados não oficiais que consegui obter, o motor da frente terá passado de 60 kW para 130 kW, perfazendo um total de 358 kW combinados, o equivalente aos 487 cv.

Mas esta potência máxima só está disponível por períodos de cinco segundos seguidos, depois são precisos 15 segundos de intervalo, até se poder voltar a ter disponível a potência máxima.
A maior bateria
A bateria é a mais potente da gama Mach-E, a Extended Range com 98,7 kW brutos a que correspondem 88 kWh úteis, que a Ford espera aumentar para os 91 kWh, em breve.

No GT, a autonomia anunciada é de 500 km, menos 40 km que no AWD de 351 cv. Pode ser carregada em carregadores até 150 kW, que ainda não são comuns. Nesse caso, a Ford anuncia uma carga de 10% a 80% em 45 minutos. Num mais vulgar carregador de 50 kW, deverá demorar cerca de 2h15.
A “magia” da Ford
Com mais potência, claro que outros componentes tiveram que ser melhorados, desde logo os travões, com o GT a receber um sistema Brembo, com discos ventilados de 385 mm nas quatro rodas.

A suspensão também foi modificada, sendo 10 mm mais baixa que a do AWD, passando a usar amortecedores com variação magnética MagneRide, molas mais curtas e firmes e uma barra estabilizadora de maior diâmetro atrás, para conseguir a habitual “magia” da Ford no que à dinâmica diz respeito.

Claro que houve muito trabalho na “afinação” do software relativo aos motores e bateria. Nos modos de condução mais tranquilos, há menos binário disponível, que sobe até ao máximo nos modos mais desportivos. O GT tem os mesmo modos de condução do AWD, ou seja, o mais discreto Whisper, o intermédio Active e o desportivo Untamed.
O modo Untamed Plus
Mas acrescenta um quarto modo exclusivo, o Untamed Plus. Além de aumentar o som sintetizado, mesmo com o carro parado, este modo retarda a entrada do ESC, diminui a assistência da direção, muda o mapeamento do acelerador e sobe o amortecimento. E faz mais alguma coisa, como veremos mais à frente.

Os pneus também são exclusivos do GT, feitos de propósito pela Pirelli com medida 245/45 R20 nas quatro rodas. A afinação da suspensão independente às quatro rodas é diferente para o mercado europeu, as unidades vendidas nos EUA são mais macias.
A mesma versatilidade
A versatilidade das outras versões não foi alterada no GT, que continua a ter muito espaço na segunda fila de bancos e 402 litros de capacidade na bagageira de trás, que tem acesso através de uma quinta porta. Existe ainda um “frunk”, sob o capót da frente, com mais 81 litros de volume, que serve para mais do que apenas guardar os cabos da bateria.

Ao volante, a posição de condução é muito boa, pouco mais alta que a de uma berlina convencional, apesar de a bateria estar sob o piso do habitáculo. O volante está muito bem posicionado, tem as regulações certas e o novo banco desportivo é confortável e tem o apoio lateral que falta às versões menos potentes.
Críticas para o comando rotativo da transmissão, que obriga a desviar os olhos da estrada para escolher as posições P, R, N e D.

O ecrã tátil de grande formato tem os vários ícones bem separados, sendo fácil de usar, apesar de a organização de alguns menus não ser a mais lógica. De resto, o pequeno painel de instrumentos acaba por ser útil, evitando ter que desviar os olhos para o ecrã central a toda a hora.
Amortecimento magnético
O amortecimento magnético tem dois níveis, que se vão alterando consoante o modo de condução escolhido. No modo Whisper, o Mach-E é razoavelmente confortável, sem ser propriamente um “tapete voador”.
A condução em cidade é muito fácil, as dimensões do Mach-E não atrapalham e a visibilidade é aceitável. Mas o pedal de travão não é muito progressivo na transição entre regeneração e travagem efetiva.
Em cidade, a andar tranquilamente, apenas o motor da frente é necessário, com a prioridade a ir para a suavidade da entrega de potência e para a insonorização, ambas bem tratadas.

A regeneração também pode ser regulada, desde logo através do botão “L” no centro do comando rotativo da transmissão e depois numa das páginas do infotainment.
Consumos não são baixos
No modo mais intenso, funciona como “e-pedal” e não exige muita habituação, aproveitando bem as desacelerações para enviar alguma eletricidade para a bateria.
Circulando em cidade, a média de consumos que obtive no meu habitual teste de consumos foi de 21,0 kWh/100 km, o que, fazendo as contas à capacidade útil da bateria de 88 kWh, resulta numa autonomia real em cidade de 420 km, um valor suficiente para usar o GT durante vários dias em cidade sem necessidade de carregar a bateria.

Em autoestrada, a 120 km/h estabilizados, o consumo foi de 23 kWh/100 km, o que equivale a 380 km de autonomia real. Passando ao modo Active, a suspensão continua a mostrar que, no compromisso entre conforto e controlo das massas, está mais perto do segundo.
Não é propriamente desconfortável, mas sente-se uma certa tensão quando se passa sobre lombas ou bossas. A insonorização está em bom nível.
Dinâmica diferente no GT
Mas as grande diferenças entre o GT e o AWD tinham que estar na dinâmica em condução rápida, usando estradas secundárias com bons encadeados de curvas e nenhum trânsito.
Claro que a primeira diferença se sente nas prestações, com o modo Untamed ligado, os 487 cv fazem sentir-se em arranques claramente mais rápidos e decididos, apesar das 2,3 toneladas de peso.
A questão da potência máxima estar disponível apenas durante cinco segundos de cada vez, acaba por se sentir, com o GT a evidenciar menos fulgor ao final desse tempo.

Mas, em estradas sinuosas, isso não é um verdadeiro problema, pois as retas “desaparecem” muito depressa e, de qualquer maneira, nem sempre se pode ir de acelerador 100% a fundo.
Quando chega a primeira zona de travagem forte, percebe-se a razão da evolução para os travões Brembo, que mostram um poder de desaceleração bem mais forte que no AWD. E depois vem o melhor.
Comportamento mais eficiente
Basta dar o primeiro golpe de volante, para entrar depressa em curva, e logo se sente que o GT obedece mais fielmente às ordens do condutor. Os pneus do GT resistem muito mais à subviragem e proporcionam maior rigor que no AWD.
A carroçaria inclina-se consideravelmente menos, deixando o peso melhor distribuído pelas quatro rodas. A atitude na primeira metade da curva é muito mais controlada, precisa e neutra que no AWD.
Levando o ESP desligado, quando chega a altura de acelerar forte para sair da curva, o GT não sobrevira com tanta facilidade e a velocidades tão baixas como o AWD. A sua atitude é um pouco mais neutra, na maioria das situações.

Por isso é preciso subir a parada e levar mais velocidade para dentro da curva e acelerar mais cedo e mais forte, para de lá saír. Claro que as derivas de traseira aparecem, mas a velocidades mais altas, pois há mais aderência e maior controlo das transferências de massas.
Quando sobrevira…
E quando a traseira do GT começa a deslizar, começa de forma mais abrupta, exigindo maior vigilância do condutor, para tomar as contra-medidas necessárias a tempo e horas.
Seja como for, nota-se claramente a maior participação do motor dianteiro a fazer retornar o GT a uma atitude neutra e segura. Se no AWD, a inércia tem um papel importante, no GT a suspensão controla muito melhor esse efeito.

Talvez a maior surpresa tenha sido o desempenho do GT em pista, depois de o ter testado no circuito espanhol de Monteblanco. Foi a ocasião de usar o quarto modo de condução, o Untamed Plus, que só está disponível no GT e só se deixa selecionar depois de a bateria ter atingido a temperatura de funcionamento adequada.
Surpreende em pista
A estratégia deste modo de condução é a de permitir ter a potência máxima sempre disponível, sem os intervalos do modo Untamed, claro que à custa de um maior consumo de energia, mas permitindo explorar completamente o GT em pista.

O circuito de Monteblanco, na província de Huelva, tem um piso de alta aderência, uma grande reta e curvas de todos os tipos, desde as muito lentas, a chicanes e curvas rápidas, a subir e a descer.
O GT mostrou-se muito à vontade neste terreno, com espaço para chegar perto dos 200 km/h de velocidade máxima e depois pedir tudo aos travões, que se mostraram à altura, apesar de se sentir bem o peso.

A precisão de entrada em curva manteve-se, mesmo a velocidades de abordagem bem mais altas que na estrada e os pneus resistiram bem, num contexto em que foram severamente “castigados” pela aderência da pista, pelo peso do GT e pelo elevado binário.
Mais progressivo a andar depressa
Em pista, a dinâmica também se mostrou mais fluída, com a sobreviragem a surgir de forma mais consistente e menos repentina. O facto de estar a ser imposta muito maior carga à suspensão, também ajudou, mostrando que o GT foi realmente afinado para conseguir ter um bom desempenho em pista.

As curvas médias e rápidas foram aquelas em que o GT brilhou mais, pelo controlo de massas e pela facilidade de lidar com uma distribuição de binário que dá prioridade às rodas de trás. A rotação do carro em curva é progressiva e consistente, sempre com o motor de trás a dar uma ajuda.
A verdade é que o peso acabou por não ser uma preocupação excessiva e isso diz muito do acerto da suspensão. Quanto ao modo Untamed Plus, realmente deixou o GT manter o mesmo ritmo numa série de cinco voltas feitas bem depressa, sem nenhuma degradação de performance.
Conclusão
Claro que tudo isto tem um preço, que a Ford traduz por 84 055 euros, ou seja mais 8500 euros que a versão AWD de 351 cv. Se vale a pena? Depois de o guiar em estrada e pista, a resposta é positiva, desde que o comprador tenha vontade e oportunidade de dar uso ao desempenho superior do Mach-E GT.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
Ford Mustang Mach-E GT
Potência: 487 cv
Preço: 84 055 euros
Veredicto 4 (0 a 5)
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