Nasceu como marca premium da PSA, antes da integração na Stellantis. A DS Automobiles junta agora uma grande berlina à oferta inicial de SUVs. E ao DS 9 não lhe falta ambição, querendo rivalizar com o Audi A4 e BMW Série 3. Terá alguma hipótese?…
A imagem de marca é uma coisa tramada. Para se criar uma, demora anos, mas para se destruir, bastam horas. A DS Automobiles está a construir a sua, num processo que não tem nada de fácil, quando o objetivo é rivalizar com a Audi e BMW.
Mais difícil ainda quando o objetivo já não é apenas lançar mais um SUV, mas “atacar” as marcas alemãs no terreno onde são mais experientes e competentes: o das berlinas de prestígio. O DS 9 é isso mesmo, um rival para o A4 e Série 3.

É fabricado na China e 70% da sua produção será absorvida pelo mercado local, mas isso faz do DS 9 um carro tão chinês como o Tesla Model 3, que também é produzido no mesmo país e com os melhores índices de qualidade entre as fábricas da marca americana.
Propor a diferença
Tal como já tinha feito com o DS 4, também com o DS 9 a marca preferiu atacar pelos flancos, em vez de enfrentar os “inimigos” de frente. Ou seja, em vez de tentar fazer uma “cópia” dos modelos alemães, tentou algo de diferente.

E não falo do estilo, que é exatamente aquilo que se poderia esperar da DS. Uma frente imediatamente identificável, um perfil elegante mas sem nenhum traço de agressividade e um painel traseiro baixo e de bom gosto.
O aspeto exterior já deixa antever o conceito do DS 9: nada de fazer uma berlina com vocação para condução desportiva, com suspensões firmes e capaz de elevadas velocidades de passagem em curva. A opção foi outra, quase a inversa.

Fazer um rival do A4 e Série 3 com prioridade quase absoluta para o conforto e para uma certa ideia de requinte “à francesa”, no que ao habitáculo diz respeito e também nos detalhes da carroçaria.
Um estilo “suave”
Os faróis tripartidos que fazem uma rotação, quando se ligam, o “sabre” que divide o capót ou as luzes de trás com efeito escama são aquilo a que os estilistas da casa chamam as “jóias”.
Quem nunca entrou num DS vai ficar admirado ao abrir a porta deste DS 9. E nem é porque tudo, ou quase, está coberto por pele (real e sintética) de cor “bordeaux”. É por outras questões como o padrão tipo bracelete de relógio de pulso nos bancos.

E também pelo enorme espaço em comprimento dos lugares de trás, só possível porque a plataforma EMP2 viu a distância entre-eixos aumentada até aos 2895 mm, quando um Peugeot 508 tem 2790 mm. Os quatro lugares principais têm aquecimento, ventilação e massagens.
Mas, sim, é também pelos largos metros quadrados de pele que forram o habitáculo e lhe dão um ambiente luxuoso, fazendo aumentar a perceção de qualidade de uma maneira que o melhor plástico do mundo não é capaz. E são poucos os que restam visíveis.
E não é um SUV…
Num mundo dominado pelos SUV, sobretudo para quem faz testes de automóveis todos os dias, chega a ser refrescante fazer descer o corpo, em vez de o subir, para ocupar o lugar do condutor.
E vale a pena, porque a posição de condução é muito boa, com o banco confortável, com regulações suficientes e um volante bem posicionado e ajustável em amplitude, se bem que o fundo plano era desnecessário, mas tem relativamente poucos botões.

Tanto o painel de instrumentos, com visão noturna, como o ecrã tátil central têm grafismos próprios da DS, que começam a parecer datados, para quem os conhece há algum tempo.
Ergonomia pede revisão
O ecrã tátil central tem demasiado brilho e os botões de atalho, que tem em rodapé, são muito pequenos e também eles táteis, o que não facilita nada o seu uso, até porque a sua latência é pronunciada.
As questões ergonómicas não se ficam por aqui. Na consola, de ambos os lados da (agora antiga) alavanca da caixa automática de oito velocidades, estão seis botões puxa/empurra todos iguais. Quatro deles comandam os vidros elétricos e deveriam estar nas portas.

Quem nunca ligou um DS vai andar à procura do botão “engine start” que tem a forma de um losango e está a meio das saídas centrais da climatização. Mas vale a pena, pois esse gesto faz rodar um relógio analógico BRM que se mantém escondido com o carro desligado.
O conhecido PHEV
O sistema PHEV é o conhecido do grupo, assente num motor 1.6 turbo a gasolina, aqui com 200 cv e um motor elétrico de 110 cv e 320 Nm, resultando num total combinado de 250 cv e 360 Nm, sendo a bateria de 15,6 kWh (11,9 kWh úteis).

É em tudo semelhante à versão de 225 cv, que já testei aqui no Blog Targa 67, a diferença é a potência do motor a gasolina, que aqui tem mais 20 cv. Pode ler o teste a essa versão seguindo este link:
Teste – DS9: topo de gama francês é “plug-in” e feito na China
Comecei o meu teste em cidade com a bateria a marcar 100% e em modo 100% elétrico, com o A/C desligado. Usei sempre o modo “B” de máxima regeneração nas desacelerações, que me pareceu muito bem calibrado, Não imobiliza o carro, mas na conta certa.
Muito bom conforto
Da suavidade do motor elétrico e da sua pronta resposta, já estava à espera, não tendo dificuldade em lidar com os 1939 kg de peso total, pelo menos em cidade, rolando à velocidade do trânsito, apesar de poder chegar aos 135 km/h.

O que me surpreendeu foi mesmo o excelente nível de conforto da suspensão, independente às quatro rodas. O sistema Active Scan Suspension, usa uma câmara, quatro sensores de inclinação e três acelerómetros para definir o estado da estrada e regular os quatro amortecedores de forma individual em três níveis.
O resultado é que o DS 9 passa por cima de irregularidades com enorme suavidade, sentindo-se que a suspensão está a fazer o seu trabalho, mas não passando trepidações para o habitáculo.

A cuidada insonorização ajuda a sublinhar a ideia de conforto, que só é posta em causa quando se encontram bandas sonoras muito altas ou buracos com arestas vivas, as altas frequências. Nesses casos, o peso das jantes de 19” e o baixo perfil e dureza dos pneus 235/45, não dão hipóteses.
Em modo 100% elétrico
Outra crítica vai para o doseamento do pedal de travão, que não é perfeitamente linear na transição entre a travagem por regeneração e a travagem por fricção. A direção é bastante filtrada, mas não é demasiado assistida.

Ao fim de 40 km a rodar em modo elétrico, a carga da bateria chegou ao fim e o sistema comutou automaticamente para modo híbrido. Fiz “reset” ao computador de bordo e continuei em cidade, para o teste de consumos em modo “full hybrid” e com a bateria a 0%.
E o sistema PHEV da Stellantis voltou a mostrar a sua eficiência, marcando um consumo de apenas 5,8 l/100 km. Por um lado, é pena que assim seja, pois este valor não incentiva alguns condutores a ter o trabalho de pôr a bateria a carregar com a frequência que deviam.

Para o fazer, precisam de 2h24 num ponto de carga de 7,4 kW, ou de 6h30 numa vulgar tomada doméstica. Não é tempo perdido, é dinheiro poupado, sobretudo em casa.
Estradista nato
Mantendo o modo híbrido e sem recarregar a bateria, fui para a autoestrada medir os consumos a 120 km/h estabilizados e obtive um resultado de 7,8 l/100 km. Os dois litros a mais explicam-se porque o sistema híbrido tem poucas hipóteses de fazer regeneração neste terreno.

A suspensão voltou a brilhar pelo conforto, absorvendo muito bem as ondulações da via, com poucos ruídos aerodinâmicos ou de rolamento a chegar aos ouvidos dos ocupantes que têm aqui uma bela maneira de passar quilómetros.

O sistema tem modo “e-Save”, que poupa a carga presente na bateria para usar mais tarde e também pode ser configurado para pôr o motor a gasolina a accionar o gerador e carregar a bateria em andamento até aos 100%. Claro que com subida de consumos.
E no modo Sport?
Cheguei a um ponto em que o modo de condução Comfort me começou a parecer demasiado bamboleante e passei para o Sport, confirmando que, aquilo que se ganha em controlo dos movimentos da carroçaria é muito mais do que aquilo que se perde em conforto.

Faltava só uma passagem por uma estrada secundária, mais para matar a curiosidade de ver como seria a dinâmica de um carro tão virado para o conforto, do que para avaliar o desempenho em condução desportiva.
Considerando a prioridade do projeto ao conforto, em modo Sport a suspensão multi-braço atrás contribui para um guiamento muito correto do DS 9.

É verdade que existe uma certa inclinação lateral em curva, mas sempre dentro de padrões aceitáveis e sem que a massa do carro gere inércia que possa criar movimentos parasitas desagradáveis.
Muito neutro
A atitude geral é neutra, com os pneus a afastar o limite da subviragem para longe e a suspensão traseira a manter-se muito estável e indiferente a provocações. Quando o ESC entra em cena, é porque é preciso e atua de forma o mais discreta possível.
Por via das dúvidas, a DS escolheu pneus Michelin Pilot Sport 4, garantindo elevados níveis de aderência em todas as situações e tração perfeita às rodas da frente. Se há crítica a fazer à dinâmica, tem mais a ver com a caixa de velocidades automática.

Querendo usar as patilhas – curtas e fixas à coluna de direção, o que nunca foi uma boa ideia desta solução herdada da Citroën – percebe-se logo que o seu nível de obediência é baixo e de rapidez também. A melhor maneira de guiar mais depressa é mesmo deixar a caixa em modo automática, que ela dá boa conta do recado.
Potência suficiente
Quanto aos 250 cv, que permitem à DS anunciar uma aceleração 0-100 km/h em 8,1 segundos, fica evidente desde as primeiras acelerações que a parte elétrica lhe dá uma boa ajuda, a baixos regimes, e depois sobe até ao red-line com facilidade e boa sensação de potência.

Mas é claro que, mesmo em modo Sport, a resposta ao acelerador e a curva de binário não foram desenhados para o máximo de performance, mas para o máximo de conforto. O desempenho tem a suavidade como prioridade e até chega aos 240 km/h, para quem viver na Alemanha.
Conclusão
Fazer um carro com base numa plataforma do segmento abaixo é sempre um risco, do qual a DS se saiu bem como o 9. É certo que a suspensão, confortável quase sempre, não tem o rigor das melhores suspensões da BMW. Mas o DS 9 tem argumentos para quem quiser sair da dependência dos alemães, o que não é tarefa fácil quando o preço fica acima de rivais como o 330e, apesar de a política de opcionais da BMW acabar por equiparar, ou inverter isso no preço final.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
DS 9 E-Tense 250 Rivoli+
Potência: 250 cv
Preço: 64 000 euros
Veredicto: 3 (0 a 5)
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