Reproduzir nos carros elétricos o conceito dos pequenos desportivos do passado, pode ser uma tarefa ingrata. Para saber se a Alpine conseguiu atingir os objetivos, nada melhor do que submeter o A290 GTS ao exigente Teste TARGA 67, conduzido em estrada e em pista por Francisco Mota.

Depois das condições meteorológicas terem frustrado um pouco o Primeiro Teste TARGA 67 ao Alpine A290 GTS, por estradas de França, chegou a altura de o testar durante uma semana em território nacional. O tempo esteve muito melhor, mas a chuva também apareceu e logo no dia em que a marca me deu a oportunidade de testar o A290 GTS em pista. Mas, já vamos a esse assunto.
The Car Of The Year 2025
O Alpine A290 é a versão desportiva do novo Renault 5 E-Tech Electric, não há como negar, até venceram em conjunto o prémio mais consagrado da indústria, o The Car Of The Year 2025, do qual tenho a honra de integrar o júri. Com uma gama futura assente em modelos que vão ser tudo menos baratos – os responsáveis da Alpine continuam a afirmar que querem ser a Porsche francesa – a Alpine considerou que o melhor seria começar com um modelo mais acessível, para ter liquidez e dar visibilidade à marca mais rapidamente. Para o plano funcionar, era preciso manter o máximo possível de componentes comuns com o Renault 5. O resultado foi um “hot hatch” ao estilo dos Clio RS, ou R5 GT Turbo, um pequeno desportivo baseado num utilitário de grande volume de produção, pelo menos à escala dos EV.




Apesar de o estilo base ser o mesmo, o A290 incorpora vários painéis exteriores diferentes, como as portas traseiras, as embaladeiras e sobretudo os para-choques, com faróis suplementares na frente, por cima de aberturas de ar maiores; e uma simulação de difusor, atrás. O desenho específico das jantes de 19” dão um ar exclusivo ao Alpine A290 e as vias mais largas dão-lhe um visual “racing”. Em termos de estilo, o Grupo Renault fez um excelente trabalho, recorrendo a uma receita antiga.
Diferente, por dentro
No habitáculo, o A290 também se distingue do R5, desde logo pela decoração mais vistosa do tablier, forros das portas e pelos bancos desportivos. Tal como no R5, falta espaço para joelhos e pés nos lugares da segunda fila, que só conseguem levar dois adultos. A grande diferença está no volante, que recebe botões específicos. O redondo de carregar, para os modos de condução é conhecido; o azul de rodar é novo, serve para escolher um dos quatro níveis de regeneração na desaceleração, incluindo um modo zero e finalmente um botão “OV” de “overtake” que dá mais 27 cv durante 10 segundos, quando usado nos modos abaixo do Sport. Ou seja, coloca tudo em modo Sport durante uma dezena de segundos, o que pode ser útil para uma ultrapassagem, mas não faz mais do que um “kick down”. Além disso, no infotainment há telemetria, conselhos de condução desportiva e desafios para o condutor além de Google Auto, que funciona muito bem, incluindo os comandos vocais.




No que respeita à mecânica também há diferenças entre o R5 e o A290. A plataforma AmpR Small é a mesma, com suspensão MacPherson dianteira herdada do Clio e suspensão traseira multi-braço partilhada com a versão 4×4 do Dacia Duster e com a versão PHEV do Captur. É uma plataforma que nasceu para modelos elétricos do segmento B. Face ao R5, o A290 tem molas mais curtas e firmes, os travões têm discos de 320 mm e quatro êmbolos, na frente, do mesmo tipo usado no Alpine A110 e de 288 mm, atrás. E usa o motor elétrico do Mégane, numa versão de 180 cv ou numa mais potente de 220 cv e 300 Nm, a GTS que testei. De resto, as diferenças para o R5 estão todas nas calibrações, por exemplo da entrega de binário às rodas, da suspensão e da direção. Os pneus 225/40 R19, uns Michelin Pilot Sport 5 S são específicos do A290, tendo por isso a referência A29.
Bateria não muda
Outra mudança fundamental é a utilização, na bateria, de cabos mais grossos. Isto permite manter o débito de potência máxima durante mais tempo, pois baixa a temperatura da bateria, sem necessidade de arrefecimento por líquido. A capacidade é a mesma do R5 E-Tech, são 52 kWh úteis com bomba de calor de série. Carrega a 11 kW AC, demorando 4h30 para ir dos 0 aos 100%; e a 100 kW DC, demorando aqui 30 minutos para carregar dos 0 aos 80%. A autonomia mista WLTP anunciada é de 380 km.




A posição de condução é muito boa, apesar de o volante não ser pequeno e ter pouca amplitude de ajustes. O banco tem suficiente apoio lateral, ajustes amplos e não é duro. Os botões extra do volante estão bem colocados, mas preferia que o dos modos de condução fosse de rodar e não de carregar, o que o torna lento. O botão rotativo azul para regular o nível de regeneração na desaceleração é um plano B. O plano A era colocar duas patilhas na face posterior do volante, mas o formato tulipado do volante não deixa espaço para lá colocar as patilhas. Em cidade, o botão acaba por funcionar bem.
Ergonomia
O painel de instrumentos digital é de fácil leitura, pois não tem demasiada informação e o seu aspeto é configurável, com predominância para temas triangulares, que lembram os Alpes franceses. O monitor central tátil é também fácil de usar, tendo sido deixado um friso de teclas físicas, mais abaixo na consola, para os comandos básicos da climatização, entre outros. O botão para ligar o motor está ao lado do monitor tátil, mas fica meio oculto pelo volante. Na coluna de direção lá continua o desatualizado satélite para comando do rádio, apesar de existirem bons botões hápticos e físicos no volante que podiam fazer a tarefa.




Em vez de ter uma alavanca na coluna de direção para a transmissão, o A290 usa os mesmos três botões na consola (R, N e D) conhecidos do A110 e sem posição “P”, tem que se carregar em “N” e puxar o travão de mão elétrico, que está mesmo ao lado. É uma solução mais estética que funcional, que requer algum hábito e retira espaços porta-objetos à consola. A mala tem 251 litros de capacidade, mas não tem um compartimento sob o piso para guardar os cabos da bateria, nem há um “frunk” sob o capót dianteiro.
Modos de condução
Nas primeiras centenas de metros em modo Save, o equivalente ao Eco, ficou claro que a entrega do binário está muito bem feita: disponível rapidamente, mas não bruscamente. A segunda impressão vem da relativa firmeza da suspensão. Apesar de usar batentes hidráulicos nos amortecedores, a suspensão tem um curso curto, tanto em compressão como em extensão, penalizando o conforto quando o piso não é perfeito. Outra crítica vai para a excessiva assistência da direção, que a torna demasiado leve, mesmo em cidade. Pelo contrário os travões não são tão bruscos como estava à espera, tendo em conta a sua proveniência.


No habitual teste TARGA 67 de consumos reais, feito com o A/C desligado, em modo Save e jogando com o botão da regeneração, obtive um consumo de 14,7 kWh/100 km. Isto equivale a uma autonomia real em cidade de 345 km. Passando para a autoestrada, circulando a 120 km/h estabilizados e com a regeneração no mínimo, registei um consumo de 23,6 kWh/100 km, o que equivale a uma autonomia real em autoestrada de 220 km. São valores que ficam um pouco abaixo dos que obtive com o Renault 5 E-Tech com a mesma bateria: 430 km, em cidade e 280 km, em autoestrada.
Não é estradista
Em autoestrada, há algum ruído aerodinâmico, mas quase nenhum de rolamento. O som sintetizado do motor muda com os modos de condução e nunca é exagerado, ajudando até a medir melhor a velocidade, que toca os 170 km/h. Claro que a suspensão é firme e pouco confortável, mas só quando o pavimento não é perfeito. De qualquer forma, a autoestrada está longe de ser o melhor itinerário para o A290 GTS. É preferível optar por estradas secundárias, para dar mais hipóteses à regeneração de fazer o seu trabalho.

Os modos de condução disponíveis são: Sport/Normal/Save/Perso, com o último a ser o mais configurável. Mas como não há amortecedores adaptativos, escolhi o modo Sport para testar o A290 numa das minhas estradas secundárias preferidas. A direção ganha outra consistência, face ao modo Save que usei em cidade: menos leve e por isso mais fácil de fazer uma condução precisa. O modo Sport coloca a regeneração no nível 1, para ajudar nas travagens. E dá resultado, mas não o usei durante a condução. Até há um “launch control”, que atira o A290 GTS até aos 100 km/h em 6,4 segundos. Um valor muito bom para um carro que pesa 1479 kg, mas que tem o binário máximo no arranque.
Launch Control
Este arranque serviu para perceber que a sensação de força é boa, sem ser explosiva, não decresce com o aumento da velocidade e a tração é excelente em piso seco. Serviu também para sentir o A290 GTS muito estável, com a suspensão dianteira a não levantar quase nada. O piso remendado não perturba a suspensão, que o processa bem, mantendo a estabilidade direcional, sendo apenas sacudido se os desníveis forem muito acentuados, obrigando a apertar a pega no volante. A sensação de precisão ganharia alguma coisa com um volante mais pequeno. Os travões mostraram um ataque muito forte, quando se pisa o pedal com mais violência, dando imensa confiança, até pela facilidade de o dosear.



A entrada em curva faz-se de forma rápida, precisa e sem subviragem e depois o A290 GTS sente-se muito controlado, com os esforços muito bem distribuídos pelas quatro rodas ou não tivesse uma repartição percentual de massas, frente/trás, de 57/43. É uma das vantagens de ter uma bateria pesada sob o habitáculo, a outra é o Centro de Gravidade baixo, que também contribui para resistir à subviragem e facilitar as mudanças drásticas de direção. A eficiência durante a curva é rematada com uma saída igualmente eficiente, pois as rodas da frente colocam toda a força no chão, com a preciosa ajuda da travagem seletiva das rodas.
Dinâmica eficiente
A eficiência ficou ainda melhor demonstrada quando começou a cair uma chuva ligeira, que tornou o piso húmido, mas não alagado. Os Michelin já tinham temperatura suficiente para continuar a gerar aderência lateral e longitudinal sem problemas, mesmo com o ESC desligado. A Alpine decidiu apostar fortemente numa atitude muito “agarrada” ao solo, talvez para evitar as surpresas que poderiam advir da considerável massa e binário em jogo. Mesmo no molhado, é preciso provocar muito a traseira para a fazer rodar um pouco em curva.



O kartódromo do Bombarral serviu para um teste em pista do A290 GTS. Por princípio, não me agrada muito testar automóveis em pistas feitas para karts, mas esta tem largura suficiente para o A290 não parecer um elefante numa loja de cristais. Claro que a maioria das curvas são lentas, várias são ganchos mas também há duas curvas médias no final de retas, que deixam fazer subir um pouco a velocidade. Feito o reconhecimento do traçado numa volta lenta, foi altura de reconfirmar o modo Sport e a posição “off” do ESC.
Em pista
O arranque da box entre paredes faz parecer tudo mais rápido que na estrada e no fim da reta principal há logo uma apertada sequência esquerda/direita com potencial para desestabilizar a traseira. Com pneus frios, senti de facto a traseira leve e com alguma vontade de deslizar um pouco na travagem para a primeira curva, mas nada que pedisse correções. Usados com mais violência, os travões provaram a sua potência e resistência para lidar com os ganchos, mas claro que a direção precisava de ser um pouco mais direta, para evitar o intenso trabalho de braços.



Tinha três voltas para levar o A290 GTS aos limites e comecei a travar cada vez mais tarde e a levar mais velocidade para dentro das curvas. Claro que a subviragem apareceu algumas vezes, mas como a inclinação lateral é pouca, basta desacelerar para voltar à trajetória certa. Também em pista, o acerto dinâmico a privilegiar a eficiência ficou provado. É certo que as curvas muito lentas não são o ideal para provocar a traseira com uma desaceleração brusca na entrada, nem com um toque de pé esquerdo no travão. Seria preciso um travão de mão mecânico para isso. Mas nas curvas um pouco mais rápidas deu para perceber que a estabilidade é mesmo a especialidade deste A290 GTS.
Regresso da chuva
E, claro, a meio das minhas três voltas começou a chover. Mantive o ritmo, enquanto a água não inundava a pista e os pneus ainda tinham alguma temperatura. Com o piso a ficar cada vez mais escorregadio, foi a altura e local certos para exagerar com o acelerador nas saídas das curvas. A tração continua muito forte, mesmo sem a existência de um diferencial autoblocante. Isto porque a modelação do binário é feita eletronicamente logo à saída do motor e depois com a travagem seletiva a terminar o trabalho. E tudo isto sem se sentir um grande decréscimo de debito de potência.




Mas há sempre um “mas…” quando se trata de andar depressa com carros elétricos: o consumo de energia elétrica dispara para o triplo e a autonomia reduz-se na mesma proporção, pondo um ponto final à “brincadeira” e obrigando a ligar o A290 GTS à tomada. É a altura certa para dar uma vista de olhos à telemetria que inclui três campos: Live data/Coaching/Challenges. No primeiro, é possível ver dados como as acelerações “g” longitudinais e laterais, uma barra com a intensidade de aceleração/travagem, o histórico da regeneração e uma página Circuito com mais indicações. Pressão e temperatura dos pneus, temperatura dos travões, da bateria e do motor. E ainda tempos por volta.




No campo Coaching existem vários conselhos de condução desportiva em pista, começando pela posição de condução, a descrição dos botões do volante, uso da telemetria, trajetórias, atitude, aderência, travagem, potência e resistência. Tudo textos interessantes para quem tem pouca ou nenhuma experiência de condução em pista. Por fim, o modo Challenges, ou Desafios, está dividido em três categorias: potência, agilidade e endurance.
Conclusão
Depois de vários anos com um único modelo no mercado, o brilhante A110, ainda para mais produzido em volumes limitados, a Alpine começa agora a crescer com o lançamento deste “hot hatch” elétrico A290 GTS. Continua a ser um carro de nicho, não só por ser um pequeno desportivo, mas também porque é elétrico, limitando a exploração das suas excelentes capacidades dinâmicas a zonas que não fiquem muito longe de carregadores. Mas uma coisa é certa a Renault/Alpine continua a saber fazer pequenos desportivos.
Francisco Mota
Alpine A290 GTS
Potência: 220 cv
Preço: 44 900 euro
Veredicto: 4 estrelas
Ler também seguindo o link: Teste – Renault 5 E-Tech: Qual a autonomia real?