O Alpine A110 S proporciona uma das experiências de condução mais puras e envolventes. E nem precisa de muita potência, como este Aero Pack mostra em mais um Teste TARGA 67, conduzido por Francisco Mota e fotografado por João Apolinário.
Nunca a marca Alpine teve tanta notoriedade mundial como agora. A equipa com o mesmo nome, que alinha dois monolugares no mundial de Fórmula 1, garante uma exposição global em crescimento.
Mas toda essa promoção é canalizada para apenas um modelo, ainda para mais um desportivo de baixa produção como o A110. A presença na F1 só faz sentido porque a Alpine está prestes a lançar no mercado mais modelos, anunciando cinco novidades até 2028.

Das pouco mais de 3 500 unidade vendidas por ano, a Alpine quer crescer para mais de 150 000, contando com uma gama que será 100% elétrica e vai incluir os inevitáveis SUV.
A110 passa a elétrico em 2025
O A110 também vai passar a elétrico em 2025 mas, enquanto isso não acontece, a Alpine vai lançando variantes do modelo original de 2017, que usa o motor a gasolina 1.8 turbo herdado do Mégane RS. Esta combinação Aero Pack é uma das últimas, feita com base no A110 S.

Só para recordar, a Alpine usa duas variantes deste motor, na versão base tem 252 cv e 320 Nm e na versão S tem 300 cv e 340 Nm. Mas esta versão S começou por ter 292 cv e 320 Nm, tendo sido depois melhorada. Não foi uma evolução profunda em termos de números, nem isso era possível, tendo em conta o motor de base.
O que muda no S
O S também tem outras diferenças face à versão de entrada, sobretudo na suspensão. As molas e os amortecedores (com batentes hidráulicos) são 50% mais firmes e, mais importante ainda, as barras estabilizadoras são 100% mais resistentes à torção.

Mais que a potência superior, a grande diferença entre o S e o base é mesmo a dinâmica, mais confortável e progressiva, no base e mais firme e nervosa, no S. Mas há coisas que não mudam, como a ausência de autoblocante, substituído por vectorização de binário através de travagem seletiva das rodas motrizes traseiras.
Leve e pequeno
Com estrutura em alumínio, o A110 tem no baixo peso o seu maior trunfo, esta versão pesa apenas 1114 kg o que lhe permite usar travões com discos de apenas 320 mm, com maxilas de quatro êmbolos na frente.

A outra vantagem são as dimensões reduzidas, com o A110 a medir apenas 4,18 metros de comprimento, menos que um Renault Captur, além de 1,80 metros de largura e 1,25 metros de altura. O contrário da tendência atual.
O kit aerodinâmico
O kit aerodinâmico aumenta o apoio a alta velocidade, a chamada “downforce”. Tem uma asa traseira que mais parece tirada de um carro de competição, um “splitter” dianteiro (ambos em fibra de carbono) e ainda um fundo carenado.
Com este kit, a velocidade máxima deixa de estar limitada aos 260 km/h e já pode ir até aos 275 km/h, devido ao acréscimo de “downforce” que chega aos 141 kg, quando o Alpine circula à velocidade máxima.

Nessa situação, as rodas da frente recebem 60 kg e as de trás levam 81 kg. Mais só à velocidade máxima, abaixo disso o decréscimo é quadrático, logicamente. Não posso dizer que senti os efeitos deste pacote aerodinâmico durante este teste, que não passou por nenhuma pista, nem pela “autobahn.”
“Tem um motor V12?…”
Em cidade, o efeito deste kit aerodinâmico é chamar ainda mais a atenção para o A110, quase sempre olhado com um sorriso, mesmo por quem não faz ideia do que está a ver: um transeunte perguntou-me se o carro tinha um motor V12…

O que tem é um habitáculo pequeno, só com dois lugares pois o motor é central, com tejadilho baixo, acesso a exigir ginástica e uns bancos Sabelt que não regulam a inclinação das costas.
São “conchas” que se podem mover para trás e para diante. Numa oficina, com as ferramentas apropriadas, é possível variar a altura da parte da frente e de trás, em três posições, jogando assim com a inclinação.
Muito baixo
A posição de condução é muito baixa, o volante está bem colocado, tem regulações suficientes e uma pega anatómica. Não há alavanca da caixa, porque a transmissão usa uma caixa Getrag de dupla embraiagem, que se comanda através de botões na consola e de patilhas enormes, fixas à coluna de direção.

O painel de instrumentos digital tem uma leitura muito fácil e o ecrã tátil central é pequeno e simples, nada de complicações. E também nada de porta-luvas, ou outros porta-objetos, a não ser um “pote” entre as costas dos bancos.
Em cidade
O que não levanta dúvidas é o enorme botão laranja no centro da consola para ligar o motor, que se faz sentir bem perto dos ouvidos. A caixa tem modo D automático, ou carregando duas vezes, passa a manual comandada pelas patilhas.

Em cidade, o D faz o seu trabalho, em parte audível no habitáculo, até porque as estruturas de alumínio tendem a propagar sons. Mas este ambiente sonoro dá um tom mecânico e analógico ao A110.
Direção bem assistida, travões fáceis de dosear e resposta a baixo regime mais que suficiente, porque o peso é pouco. A visibilidade para trás é difícil e a caixa nem sempre é suave em modo D.
Gasta pouco
A suspensão é firme no mau piso, mas não “bate” nos buracos, nem mesmo com pneus 215/40 R18, na frente e 245/40 R18, atrás. Mas o piso estragado envia sons menos agradáveis ao ouvido através da estrutura.

No meu habitual teste de consumos em cidade, obtive um valor de 8,8 l/100 km que se pode considerar bom, tendo em conta a ausência de qualquer sistema híbrido e o conceito, já com alguns anos, deste motor 1.8 turbo de injeção direta.
Em autoestrada, rolando a 120 km/h estabilizados, o consumo desceu aos 7,4 l/100 km, mostrando como o A110 S pode efetivamente ser usado em viagens mais compridas. O depósito de 45 litros dá-lhe uma autonomia de 608 km.
Sair da autoestrada
Claro que é preciso algum “espírito” para fazer grandes viagens no A110 S. Os ruídos mecânicos e de rolamento estão sempre presentes, tal como alguns de ordem aerodinâmica, pois o Cx de 0,32 não é nada de especial. E os bancos não são propriamente confortáveis durante muito tempo.

O objetivo óbvio deste A110 S é mesmo ser guiado em estradas secundárias, apenas para o gozo do condutor. Não me fiz rogado a essa “exigência”. Ao contrário de outros desportivos, não há imensos modos de condução nem configurações sem fim para escolher.
Simples e rápido
Os modos de condução são Normal/Sport/Track. Usei o primeiro em cidade e comecei pelo Sport em estrada secundária, mas rapidamente passei ao Track, que dá acesso ao mapeamento mais rápido do acelerador e a um som de escape mais emotivo. E desliguei o ESC, claro.

Com motor central e pneus largos, tração é coisa que não falta, nem mesmo num arranque a fundo, com a Alpine a anunciar os 0-100 km/h nuns excelentes 4,2 segundos. Fiz a experiência e a sensação é um pouco desconcertante.
Devido à leveza, o A110 S ganha velocidade sem aparente esforço. Por outro lado, com motor central, tração atrás e pneus largos, a tração é excelente e o resultado é que a velocidade parece mais baixa do que a indicada no velocímetro.
Tudo sem esforço
Devo dizer que o banco “concha” estava demasiado baixo e reclinado para o meu gosto, o que me obrigou a guiar com uma postura errada para a minha estatura. Mas reconheço que tem imenso apoio lateral.

Se a aceleração impressiona pela facilidade, o mesmo se passa com a travagem, mas aqui com o sistema a pedir força, para acertar na velocidade de entrada em curva. A caixa funciona razoavelmente bem com as excelentes patilhas grandes, mesmo nas reduções mais exigentes, a tornarem tudo fácil.
Ambiente “racing”
Os cortes da ignição a subir e as detonações, nas desacelerações, criam uma banda sonora “racing” que assenta perfeitamente ao A110 S.

Acima das 2400 rpm, é claro que o motor tem uma resposta mais forte, pois é o regime de entrada no planalto de binário máximo, que dura até às 6000 rpm. Mas a resposta é sempre muito boa, mesmo abaixo disso, porque… há pouco peso a puxar.
Super controlado
As primeiras curvas relembraram-me aquilo que senti quando testei o A110 S pela primeira vez. O controlo de movimentos é muito mais apertado que na versão base, o temperamento do carro é muito diferente.
A frente é muito rápida e precisa a entrar em curva, com a direção a fornecer informação do piso de uma forma que hoje é rara. Sente-se tudo o que está acontecer entre as rodas da frente e o asfalto.

Se o piso estiver escorregadio, por exemplo asfalto com poeira, surge um pouco de subviragem, mas de uma maneira muito fácil de medir, bastando aliviar o acelerador para restabelecer a atitude neutra.
O foco desta versão está claramente na eficiência, no aumento da velocidade de passagem em curva. A inclinação lateral é muito reduzida e a atitude neutra e estável é fácil de adquirir.
Mas também “brinca”
Nos tais pisos empoeirados, quando se reacelera para saír da curva, a traseira entra num “powerslide” relativamente fácil de controlar. Mas que exige alguma rapidez de braços, para tomar as contramedidas a tempo.

Nos carros de motor central, é sempre bom ter em conta que o momento polar de inércia pode tornar uma ligeira deriva de traseira num pião completo. Contudo, o A110 nem é demasiado sensível a este efeito.
Na verdade, até aceita que se jogue com as massas para iniciar uma rotação na entrada em curva e depois manter o ângulo com o acelerador. E nem é preciso muito espaço, porque o A110 é pequeno.
Nem tem autoblocante
O baixo peso e a suspensão firme até conseguem fazer esquecer a ausência de um autoblocante. Existe um controlo de tração que faz vetorização de binário, travando a roda traseira interior à curva. E isso acaba por ser suficiente em quase todas as situações.
Exceto em curvas lentas e fechadas, quando se acelera a fundo cedo e se sente, por momentos, a potência a querer escoar-se pela roda de dentro.

Esse efeito até se pode resolver com uma patilhada do lado direito, subir de segunda para terceira e confiar na relação binário/peso para resolver a questão, sem perder velocidade com essa opção.
Conclusão
O A110 S não é barato, o preço base é de 84 500 e o kit aerodinâmico custa 6 540 euros. Com mais alguns opcionais incluídos, como o tejadilho de carbono, a unidade testada chega aos 100 200 euros. Mas é um daqueles carros em que se quer continuar a guiar e a explorar maneiras de aproveitar o baixo peso, um exercício que hoje se tornou tão raro. A sensação de facilidade com que tudo se passa, começa por ser desconcertante e acaba a ser viciante. Isto sim, é guiar! E guiar de uma maneira que não vai voltar.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
Alpine A110 S Aero Pack
Potência: 300 cv
Preço: 91 040 euros
Veredicto: 4,5 (0 a 5)
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