O R5 E-Tech Electric está a ser um sucesso, nas vendas e no reforço da imagem emocional da Renault. O Renault 4 E-Tech Electric segue a mesma filosofia, acrescentando uma parte racional, essencial no disputado segmento dos B-SUV elétricos. Neste primeiro teste, conduzido por Francisco Mota, fomos à procura do legado do antigo R4.

Entre 1961 e 1994 a Renault fabricou mais de oito milhões de Renault 4, em muitas fábricas espalhadas pelo mundo incluindo a unidade da Guarda. O modelo nasceu para motorizar as zonas rurais de França que precisavam de um carro muito acessível, muito espaçoso por dentro e capaz de circular por caminhos de terra em muito mau estado. Era um “briefing” exigente, mais ainda se pensarmos que estávamos no final dos anos 1950, quando o projeto começou a ser desenvolvido.

Mas a verdade é que a Renault conseguiu atingir plenamente esses objetivos e ainda os foi superando, com as evoluções que o modelo foi recebendo ao longo da sua duradoura vida comercial. E não apenas em França, mas também noutros países da Europa, da América do Sul e de África, onde também foi produzido. O mais impressionante talvez seja que o conceito original durou quatro décadas sem alterações de fundo e assumindo vários papeis: familiar, comercial, primeiro carro, modelo da moda e muitos mais.
O 4 que é o 2º
Nesta fase de transição energética para os elétricos que a Renault assume necessitar de uma componente emocional, claro que o novo R4 tem outro posicionamento – ser muito acessível é algo que ainda não está ao alcance dos veículos elétricos. No entanto, o Renault 5 E-Tech já mostrou como pode funcionar bem a associação entre elétricos e estilos que reinterpretam ícones da história da Renault. Contudo, o R5 E-Tech foi feito para ser um citadino, um segundo carro da família, compacto e ágil. A Renault precisava de o complementar com outro modelo, que se inserisse no segmento mais movimentado na Europa, o dos B-SUV. O R4 foi o escolhido para essa reinterpretação. Tem 4,14 metros de comprimento, ficando entre os 3,92m do R5 e os 4,2m do Mégane.



Dentro de poucos meses, todos os componentes do R4 E-Tech e dos restantes elétricos da Renault serão fabricados na Europa, numa região a Norte de França, num raio máximo de 300 km. Incluindo as células das baterias. É a prova de que a Ampere, a empresa da Renault responsável pelos elétricos da marca francesa, consegue fabricar integralmente um automóvel elétrico na Europa. E com custos controlados o suficiente para conseguir fazer negócio.
Sinergias entre 4 e 5
Ponto importante, os dois modelos tinham que partilhar a plataforma AmpR Small e o máximo de componentes, para controlar os custos, são as famosas sinergias. Lado a lado, pode não parecer, mas 65% dos componentes são os mesmos entre o R5 e o R4. Contudo, por fora, apenas o para-brisas e os retrovisores são peças iguais, tudo o resto é diferente. E o que se pode dizer é que o R4 E-Tech Electric resultou muito bem em termos de estilo. Claro que é maior que o original, mas as proporções foram mantidas, bem como alguns elementos icónicos do R4.


O terceiro vidro lateral no pilar traseiro é um exemplo, os três frisos moldados na chapa do fundo das portas, as luzes de trás verticais, o ângulo do portão traseiro e a baixa boca de carga, são também recuperados do original. A frente é uma evolução da que usava a última evolução do R4 original, neste caso com uma moldura continua em LED a substituir o cromado original e com toda a frente carenada. Até o ângulo do para-brisas e a sua continuação em direção à roda da frente foram re-imaginados. Na Renault, ninguém fala em design “retro”, falam de reinterpretação e isso percebe-se ao olhar para estes e outros detalhes, que demoraram quatro anos a depurar.
Habitáculo menos nostálgico
No habitáculo, claro que não foi possível fazer o mesmo exercício. Anda foi gasto algum tempo a pensar como fazer uma evocação da alavanca da caixa de velocidades original em forma de bengala. Mas não foi encontrada uma maneira segura de o fazer. Por isso, o tablier é o mesmo do R5, com um painel de instrumentos digital muito fácil de ler; e um ecrã central tátil horizontal, também razoavelmente inteligível com ChatGPT e Google Auto. Tanto mais que tem uma fila de botões físicos por baixo, para a climatização e outras funções de uso frequente. A consola é estreita mas tem três porta-objetos, incluindo um carregador sem fios de smartphone.



O volante é o mesmo de todos os outros elétricos da Renault, achatado em cima e em baixo mas com uma boa pega e bem posicionado. Tem o habitual botão redondo dos modos de condução Eco/Comfort/Sport/Perso. Há um opcional, que a Renault chama “Extended Grip” que acrescenta dois outros modos de condução: Neve e Terra. Todos os modos regulam apenas a assistência de direção, sensibilidade do acelerador e potência, bem como o controlo de estabilidade e tração. A suspensão, independente às quatro rodas, tem amortecedores passivos. O volante tem alguns botões hápticos, não muito fáceis de usar, o “clássico” satélite de comando do rádio e a alavanca da transmissão é uma haste na coluna, que não tem posição P. Há automatismos que engrenam esta posição, por exemplo quando se para o carro e se abre a porta. Mas os mais desconfiados podem sempre puxar a alavanca do travão de mão elétrico na consola.
Muito mais espaço de R5
Continuando pelo interior, face ao passageiro da frente o tablier é forrado a material têxtil com percentagem de matéria reciclada e com pespontos coloridos. O mesmo tipo de revestimento é usado nas portas e nos bancos, parecendo bastante resistente. Os bancos são mais macios que os do R5 e têm suficiente apoio lateral, não estando muito altos. Mas claro que a altura disponível é maior e a acessibilidade melhor. A qualidade apercebida não é fantástica, pois todas as zonas de plástico usam material duro. A grande vantagem do R4 face ao R5, e que o coloca a par de outros B-SUV elétricos, é o bom espaço para pernas nos lugares de trás.



Graças ao aumento da distância entre-eixos em 8,0 cm, um adulto de 1,80 metros de altura consegue encontrar lugar para a cabeça, para os joelhos e para os pés. O piso é plano, mas é um pouco alto face ao assento, obrigando a levar os joelhos altos, deixando as pernas mal apoiadas; o lugar do meio é de uso difícil por ser estreito e alto. Em breve estará disponível um tejadilho em lona como opcional e como o do R4 original. Quanto à mala, tem 420 litros, mais 20 litros que o R5 porque o vão traseiro do R4 é 12 cm mais longo e beneficia do rebatimento do banco dianteiro direito para se poder levar, por exemplo, uma prancha de surf dentro do carro. A tampa tem abertura elétrica, coisa rara neste segmento, e uma cesta plástica sob o piso, que se pode usar para levar alguma coisa molhada e até retirar do carro.
Duas versões
Neste primeiro teste foi possível guiar o R4 E-Tech Electric na versão de 150 cv e com bateria de 52 kWh, que anuncia uma autonomia WLTP em ciclo misto de 409 km e custa a partir de 33 000 euros. Há uma versão com motor de 120 cv e bateria de 40 KWh, que anuncia autonomia mista de 308 Km e preço a partir de 29 500 euros. São ambos de tração e motor à frente mas a Renault disse que está a estudar a possibilidade de fazer também uma versão 4×4. Espaço para um motor na traseira existe nesta plataforma, agora é só ver se a procura dos países do Norte da Europa é suficiente.



Em cidade, usando primeiro o modo Eco, a resposta do acelerador é mais que suficiente, a direção está bem assistida e o duo suspensão/pneus 195/60 R18 fazem um bom trabalho em termos de conforto – a Renault diz que o R4 é 10 a 15% mais confortável que o R5, devido aos pneus, suspensão e bancos. O piso irregular sente-se, mas sem que isso se traduza em solavancos bruscos, a suspensão está muito bem controlada.
“One pedal” é novidade
A regeneração na desaceleração pode ser regulada em três níveis através de duas práticas patilhas atrás do volante. Não há um modo que seja completamente zero, o que é pena, pois seria muito útil nas descidas das vias mais rápidas. A novidade é um modo “one pedal” que imobiliza o R4 no final de uma travagem mais intensa. É uma mudança de filosofia da Renault, que no Mégane E-Tech considerava não ser a melhor solução para condutores que vinham de modelos a combustão. Agora, pensa que muitos já se adaptaram e que faz sentido a mudança. Todos os Mégane, Scénic e R5 equipados com patilhas, que já circulam, vão poder receber esta atualização. E os próximos elétricos da Renault vão passar a tê-la de série.



Uma passagem por autoestrada mostrou que, em modo Comfort e depois em Sport, o R4 avança com determinação e sem ruídos aerodinâmicos ou de rolamento significativos. Pode escolher-se que avisos sonoros se quer desligar das 26 ajudas eletrónicas à condução e configurar um botão para o fazer. De qualquer forma, não são demasiado estridentes nem demasiado intrusivos quando atuam, nomeadamente a manutenção de faixa de rodagem. Há um novo “cruise control” inteligente que reduz a velocidade em face do sinais de trânsito ou de condições e perfil da via.
Boa dinâmica
Finalmente, numa passagem por uma estrada secundária com mais curvas, com o modo Sport selecionado e usando as patilhas, o R4 mostrou melhor resposta ao acelerador e muito boa agilidade, a marca anuncia os 0-100 km/h em 8,2 segundos, em parte graças a um peso que fica abaixo dos 1500 kg. Claro que tem maior inclinação lateral em curva que o R5, porque a altura ao solo é maior, o que faz subir o Centro de Gravidade. Mas mantém-se muito são quando se esgota a aderência das rodas motrizes dianteiras, com a subviragem a ser fácil de controlar. E até deixa os condutores mais entusiastas, provocar a traseira e fazé-la deslizar um pouco para ajudar a rodar o R4 em curva. Isto para fazer só depois de deixar as crianças na escola, está claro…



Não tive ocasião de fazer medições de consumos em condições controladas. Mas a média geral do percurso de quase três horas, com passagem por cidade, estrada e autoestrada foi de 13,2 kWh/100 km, o que indicia uma autonomia real mista de 394 km. Valores que terei que confirmar num teste mais prolongado.
Conclusão
A Renault segue a sua filosofia de juntar emoção aos seus modelos elétricos através da reinterpretação de modelos icónicos do seu passado. No caso do R4 E-Tech Electric, o exercício resultou particularmente bem, pois enquadra-se perfeitamente no segmentos dos B-SUV elétricos, com alguns argumentos a seu favor. O próximo capítulo desta saga já foi anunciado e trata-se do Twingo E-Tech. A pergunta que se coloca é: e depois?…
Renault 4 E-Tech Electric 52 KWh
Potência: 150 cv (110 kW)
Preço: 33 000 euros
Veredicto: 4 estrelas
Ler também, seguindo o link:Teste – Renault 5 E-Tech: Qual a autonomia real?