Todas as classes de automóveis estão a passar a ter versões elétricas, até os pequenos desportivos. Neste Primeiro Teste TARGA 67, conduzido por Francisco Mota e fotografado por Yannick Brossard, procuramos saber se o Alpine A290 100% elétrico é realmente um “hot hatch”.

Estrada húmida, folhas das árvores nas trajetórias, piso por vezes muito ondulante e um pequeno desportivo com motor e tração à frente, a debitar um máximo de 220 cv e, mais importante ainda para as condições do dia, 300 Nm. Tudo se juntou para uma sessão de condução ligeiramente frustrante, mais ainda porque do percurso constava uma grande porção de autoestrada, onde pouco se aprende sobre um pequeno desportivo. E depois um encadeado de estradas secundárias estreitas e muito rápidas, com poucas curvas. Mas o meu trabalho raramente é fácil, por isso procurei outros caminhos, algures no centro de França, para tirar o raio-X ao Alpine A290 GTS, a versão mais potente, a outra tem 180 cv.

O Alpine A290 é a versão desportiva do novo Renault 5 E-Tech Electric. Podia ter sido o novo Renault 5 RS, não tivesse o nome Renault Sport sido posto no congelador para dar lugar à Alpine. Com uma gama futura assente em modelos que vão ser tudo menos baratos, a Alpine considerou que o melhor seria começar com um modelo mais acessível, para ter liquidez e dar visibilidade à marca mais rapidamente. Para o plano funcionar, era preciso manter o máximo possível de componentes comuns com o Renault 5. O resultado foi um “hot hatch” ao estilo dos Clio RS, ou R5 GT Turbo, um pequeno desportivo baseado num utilitário de grande volume de produção. À escala dos eléctricos, como é óbvio.
Detalhes de estilo
Apesar de o estilo ser o mesmo, o A290 incorpora vários painéis exteriores diferentes, como as portas traseiras, as embaladeiras e sobretudo os para-choques, com faróis suplementares na frente, por cima de aberturas de ar maiores e uma simulação de difusor, atrás. O desenho específico das jantes de 19” dão um ar exclusivo ao Alpine A290 e as vias mais largas dão-lhe um visual bem desportivo. Em termos de estilo, o Grupo Renault fez ao Renault 5 o que a Stellantis fez ao Fiat 500e, um passou de Fiat para Abarth, o outro de Renault para Alpine, mantendo ambos duas boas interpretações de modelos do passado.




No habitáculo, o A290 também se distingue do R5, desde logo pela decoração mais desportiva do tablier, forros das portas e pelos bancos desportivos, com excelente apoio lateral, sem serem desconfortáveis. Tal como no R5, falta espaço para joelhos e pés nos lugares da segunda fila, que só conseguem levar dois adultos. A grande diferença está no volante, que recebe botões específicos. O redondo de carregar, para os modos de condução (Normal/Sport/Personal/Save) é conhecido; o azul de rodar é novo, serve para escolher um dos quatro níveis de regeneração na desaceleração, incluindo um modo zero e finalmente um botão “OV” de “overtake” que dá mais 27 cv durante 10 segundos. Além disso, no infotainment há telemetria, conselhos de condução desportiva e desafios para o condutor além de Google Auto.
Alterações mecânicas
No que respeita à mecânica também há diferenças entre o R5 e o A290. A plataforma AmpR Small é a mesma, com suspensão dianteira herdada do Clio e suspensão traseira multi braço partilhada com a versão 4×4 do Dacia Duster e com a versão PHEV do Captur. É uma plataforma que nasceu para modelos elétricos do segmento B. Face ao R5, o A290 tem suspensão com molas mais curtas e firmes. Os travões têm discos de 320 mm e quatro êmbolos, na frente, o mesmo tipo usado no A110 e 288 mm, atrás. E usa o motor elétrico do Mégane. De resto, as diferenças para o R5 estão todas nas calibrações, por exemplo da entrega de binário às rodas, da suspensão e da direção. Os pneus 225/40 R19, uns Michelin Pilot Sport 5 S são específicos do A290, tendo por isso a referência A29.




Outra mudança fundamental é a utilização na bateria, de cabos mais grossos. Isto permite manter o débito de potência máxima durante mais tempo seguido, pois baixa a temperatura da bateria, sem necessidade de arrefecimento por líquido. A capacidade é a mesma, 52 kWh com bomba de calor de série. Carrega a 11 kW AC, demorando 4h30 para ir dos 0 aos 100% e a 100 kW DC, demorando aqui 30 minutos para carregar também dos 0 aos 80%. A autonomia mista WLTP anunciada é de 380 km.
Autoestrada e estrada rural
Depois da teoria, segue-se a prática. A posição de condução é muito boa, apesar de o volante não ser pequeno. O banco tem suficiente apoio lateral, ajustes amplos e não é duro. Os botões extra do volante estão bem colocados, mas preferia que o dos modos de condução fosse de rodar e não de carregar. O botão rotativo azul para regular o nível de regeneração na desaceleração é um plano B. O plano A era colocar duas patilhas na face posterior do volante, mas o formato tulipado do volante não deixa espaço para lá colocar as patilhas. Em vez de ter uma alavanca na coluna de direção para a transmissão, o A290 usa os mesmos três botões na consola (R, N e D) conhecidos do A110. É uma solução mais estética que funcional, que requer algum hábito e retira espaços porta-objetos na consola.




Nas primeiras centenas de metros em modo Save, o equivalente ao Eco, ficou claro que a entrega do binário está muito bem feita: disponível rapidamente, mas não bruscamente. A segunda impressão vem da relativa firmeza da suspensão. Apesar de usar batentes hidráulicos nos amortecedores, a suspensão mostra ter um curso curto, tanto em compressão como em extensão, penalizando o conforto. Outra crítica vai para a excessiva assistência da direção, que a torna demasiado leve, mesmo em cidade. Pelo contrário os travões não são tão bruscos como estava à espera, tendo em conta a sua proveniência.
Suspensão firme
A primeira etapa deste Primeiro Teste TARGA 67 decorreu nas autoestradas radiais a Paris, em direção a estradas secundárias sem trânsito. Há algum ruído aerodinâmico, mas quase nada de rolamento. O som sintetizado do monitor muda com os modos de condução e nunca é exagerado, ajudando até a medir melhor a velocidade, que toca os 170 km/h. Passando a estradas rurais muito estreitas e com piso instável, ligando o modo Sport e o modo de máxima regeneração, era hora de acelerar, a Alpine anuncia os 0-100 km/h em 6,4 segundos. A suspensão firme sacode um pouco o A290 em pisos como este, sem buracos, mas com muitas ondulações. Obrigando a apertar a pega no volante para manter o rumo. A resposta do motor a uma aceleração a fundo é rápida e decidida, mas nada que atire a cabeça contra o encosto. Os travões mostraram um ataque muito forte, quando se pisa o pedal com mais violência, dando imensa confiança, até pela facilidade de dosear.




Nada disto é uma surpresa, conhecendo o histórico da Alpine/Renault Sport em pequenos e médios desportivos deste tipo. Mas a resistência à subviragem na entrada em curva, a estabilidade durante curvas de forte apoio e a facilidade em mudar a trajetória em pleno esforço, confesso que me surpreendeu. Em parte é uma consequência benigna da presença da bateria sob o habitáculo, que baixa o Centro de Gravidade e leva a distribuição de pesos para uns excelentes 57/43% frente/trás. No piso húmido, agradou também a tração, com as rodas a conseguir colocar o binário no chão, apesar de só contarem com o controlo de tração que trava as rodas individualmente. Não há autoblocante mecânico.
Eficiente acima de tudo
Eficiência a entrar em curva e estabilidade durante todo o arco, é sempre algo a elogiar. Mas e a diversão?… Mesmo em piso molhado, é preciso provocar bem a traseira, com uma desaceleração brusca na inserção, para fazer a traseira rodar um pouco.


O ESC até nem é precoce, mas a suspensão multi braço e os pneus são bem mais eficientes nestas manobras do que os eixos de torção que os Clio RS usavam no passado e os tornavam tão divertidos. Claro que os 1479 kg talvez não tenham incentivado a Alpine a optar por uma afinação mais exuberante, que se podia tornar demasiado “desafiante” para alguns condutores.
Conclusão
“Made in France” é talvez o rótulo mais importante do R5 e do A290, por questões económicas e também políticas. O A290 vai tentar começar a rentabilizar o investimento e a visibilidade que a Alpine ganhou com a sua entrada na Fórmula 1, com volumes de vendas incomparáveis aos do A110. Claro que o A290 tem muito mais de “brinquedo” e muito menos de carro para o dia-a-dia do que os “hot hatches” do passado, até porque custa 44 900 euros, nesta versão GTS de 220 cv e 38 700 euros, no GT de 180 cv. Mas a sua condução é capaz de fazer subir a pulsação, na estrada certa.
Francisco Mota
Alpine A290 GTS
Potência: 220 cv
Preço: 44 900 euros
Veredicto: 4 estrelas
Ler também, seguindo o LINK:Primeiro Teste – Renault 5 Electric: Não é só emoção