Em quatro anos, o Renault 5 E-Tech Electric passou de “concept-car” a modelo de série. E se toca forte na tecla da emoção, a verdade é que o novo R5 é mais que isso. Para descobrir tudo, aqui no aguardado Primeiro Teste TARGA 67, conduzido por Francisco Mota e fotografado por Yannick Brossard/DPPI.

Este Primeiro Teste TARGA 67 foi feito em Nice, França e nas excelentes estradas de montanha ali perto. Comecei no aeroporto e entrei logo na confusão do trânsito da hora do almoço. Isto para dizer que o Renault 5 E-Tech Electric verde com tejadilho preto, na versão Techno, ficou de imediato sob os olhares curiosos de quem o via passar. As reações aos modelos com estilo nostálgico costumam ser intensas e imediatas, como a Fiat provou com o 500 moderno e também a Mini. São carros que vão buscar algumas das boas memórias que cada um tem e que envolvem os modelos originais. E nem precisam de ser memórias pessoais. O R5 foi lançado em 1972, fazendo as contas, um condutor que o tenha comprado com 18 anos e carta acabada de tirar, tem hoje… 70 anos. Com grande probabilidade, foram as suas memórias que passou aos descendentes que as guardaram como se fossem suas. Seja como for, o R5 não se quer alimentar do passado glorioso que durou 24 anos e 9 milhões de vendas. Pelo menos exclusivamente. A reação das pessoas na rua, novos ou menos novos, é de um entusiasmo incrível.
Gilles Vidal explica
Gilles Vidal, o chefe do departamento de estilo do Grupo Renault, explicou-me as diferenças para um modelo nostálgico, como o FIAT 500: “o 5 não é uma recriação do modelo original, é um modelo de proporções atuais e modernas. Fizemos um inquérito para saber quais os detalhes que as pessoas hoje mais associam ao R5 original e utilizámos essa informação para inspirar alguns detalhes nas duas primeiras séries do modelo original e ainda no Turbo.” Vidal deu exemplos dessa estratégia: “os faróis fazem lembrar a primeira geração, mas o perfil tem mais a ver com a segunda, tal como as luzes de trás. Os guarda-lamas alargados atrás fazem lembrar o Turbo.” Talvez o detalhe mais cusioso seja o visor retangular que está no capôt da frente, no R5 original estava lá uma entrada de ar, no 5 E-Tech Electric o visor indica a carga atual da bateria.


A equipa de Vidal parece ter acertado em cheio nesta mistura de detalhes do passado aplicados a um modelo atual, resultando num desenho suscetível de ser apelativo tanto para quem teve um dos R5 originais na família, como para quem pouco sabe do modelo antigo e aprecia o novo apenas por aquilo que ele é, sem preocupações com heranças estilísticas. Claro que haverá sempre quem não goste, mas não espero que o Renault 5 E-Tech Electric venha a ter o mesmo fim triste do VW New Beetle e, ainda pior, do seu sucessor. A este respeito, Vidal explicou o que vai fazer quando chegar a altura do restyling, um assunto delicado num desenho nostálgico, como a Mini tem demonstrado: “iremos apenas mudar pequenas coisas, detalhes, nada de muito profundo. Um desenho como este poderá durar muitos anos.”
O desenho do CEO
Há uma história por detrás deste 5. Um esboço do 5, feito pelo CEO Luca De Meo, muito parecido com o produto final, o que faz pensar como terá sido a relação entre o estúdio e o CEO… A marca afirma que o 5 foi feito ao contrário do habitual. Primeiro foi definido o estilo e só depois foi dimensionada a plataforma. Trata-se da segunda de três plataformas exclusivamente dedicadas a modelos elétricos, que o grupo terá nos próximos anos e chama-se AmpR Small, sendo vocacionada para modelos do segmento B. A seguir ao 5 virá já de seguida o Renault 4. Trata-se de uma base de trabalho inspirada na plataforma do Megane E-Tech Electric, mas mais curta e com uma evolução da suspensão dianteira do Clio. A suspensão traseira é multi-braço, o que é pouco comum no segmento, mas trata-se de uma solução que permite “arrumar” uma bateria maior sob o piso, do que uma suspensão de barra de torção. Além disso, ganha-se em termos dinâmicos e de conforto, como já vamos ver.


O comprimento é de apenas 3920 mm, cerca de 130 mm menos do que um Clio. A largura vale 1770 mm e a altura 1500 mm. A distância entre-eixos também não é grande, 2540 mm contra os 2580 mm do Clio. Ainda assim há espaço para colocar uma bateria de 52 kWh, que pesa 300kg, menos 20 kg que a do Zoe. É uma bateria NMC, ou seja, não é das mais baratas, e a partir de 2025 as suas células vão ser produzidas na nova Gigafactory no Norte de França, em Douai, num perímetro regional de 300 km que o Grupo Renault batizou de ElectriCity. Constitui o essencial da Ampere, a empresa do grupo dedicada ao projeto e produção de veículos elétricos, onde se inclui a fábrica de motores (Cléon) e a montagem final (também Douai). Tudo “made in France”.
Novo motor
Aproveitando o novo modelo, o motor elétrico, que move as rodas da frente, foi revisto. Partindo da base do motor do Megane E-Tech Electric, a engenharia reduziu-lhe o peso em 15 kg, através de uma nova eletrónica de potência e da integração dos principais componentes num conjunto único que pesa 105 kg. O rotor do motor é 30 mm mais curto, reduzindo o comprimento e facilitando a sua montagem transversal. Continua a ser um motor síncrono com rotor bobinado, portanto sem ímanes permanentes, or isso mais ecológico. Existem três variantes de motor/bateria, a que guiei foi a de 150 cv e 245 Nm, depois há uma versão de 120 cv e 255 Nm e em 2025 chega a versão de 95 cv e 215 Nm. O primeiro usa a bateria de 52 kWh que carrega a 11 kW AC e 100 kW DC, as duas versões menos potentes têm uma bateria de 40 kWh que carrega a 11 kW AC e 80 kW DC. Para já, a Renault anuncia a autonomia da versão mais potente, que é de 410 km e um tempo de carregamento, em DC a 100 kW, de 30 minutos para ir dos 15% aos 80% de carga. A bateria tem arrefecimento líquido e pré-condicionamento, além de uma entrada para o trabalho dos bombeiros e um QR code com todas as informações úteis em caso de acidente.




Voltando aos primeiros quilómetros deste Primeiro Teste TARGA 67, as primeiras impressões chegam da direção direta, com curto raio de viragem (5,15 m) mas demasiada assistência. Para não ficar tão leve, há duas opções, ou passar ao modo Sport, o que pode não ser o mais adequado, ou ir ao modo Perso e configurar a assistência para o nível 3, o menos assistido. A questão fica resolvida, com a direção a adoptar o peso certo e ganhando um bom “feedback” da estrada. O volante “quadrado” exige alguma habituação mas a ergonomia está bem tratada. A alavanca da transmissão é uma haste na coluna de direção que se pode personalizar com vários símbolos.



As outras hastes são as habituais mas ainda não foi desta que a Renault se livrou do antiquado satélite para comandar o rádio. O botão “Start” está escondido atrás do volante, entre o painel de instrumentos e o monitor tátil central, que não é vertical como no Megane E-Tech Electric, mas tem a mesma linha de teclas físicas por baixo, para a climatização. Alem dos modos Eco, Perso e Sport ainda há o modo mais usado, o Confort. Todos controlados através de um botão redondo no volante. Os restantes botões são hápticos e nem sempre intuitivos. O painel de instrumentos de 10,1” é configurável em cor e conteúdo e fácil de ler. Do monitor tátil de 10” pode dizer-se o mesmo, tendo comandos por voz, Google Auto embarcado e até o avatar Reno, que interage com o condutor.
Por dentro
O desenho do tablier evoca o R5, com uma zona almofadada com pespontos verticais face ao passageiro da frente. O painel de instrumentos e o monitor central formam um bloco que faz lembrar o aglomerado de botões do Supercinco. Os bancos são inspirados nos do Turbo e oferecem bom suporte lateral, sendo forrados a ganga reciclada, tal como o tablier e os forros das portas de frente. É uma solução que vai bem com o espírito deste 5. E que desvia a atenção dos plásticos do habitáculo que são todos duros, alguns com aspeto pouco simpático. Quanto à habitabilidade, o espaço na frente é razoável e com ajustes amplos, mas a segunda fila não tem muito comprimento para pernas, nem para os pés, sob os bancos da frente. Além disso, o piso plano é alto e deixa as coxas mal apoiadas.



A mala tem 326 litros, mais um compartimento sob o piso para os cabos da bateria.Nas ruas de Nice, algumas com tampas de escoamento de água desniveladas (não é só por cá…) a suspensão do 5 surpreendeu pelo excelente conforto, sobretudo num carro do segmento B com pneus 195/55 R18, medida comum a todas as versões. Poucos movimentos parasitas, nenhum balancear desnecessário e sempre com uma tolerância longitudinal que evita “pancadas” em obstáculos mais agressivos. O trabalho feito nos amortecedores e nos casquilhos deu efeito, tal como a suspensão multi-braço traseira. É do melhor que conheço no segmento B. A travagem também foi melhorada, com o sistema “OneBox” que não tem ligação mecânica entre o pedal e o sistema hidráulico de travagem, será portanto um “by-wire”. Assim, foi possível calibrar um tato de pedal homogéneo entre o momento em que o sistema usa a travagem regenerativa e quando passa para a travagem de fricção. Resulta tão bem no doseamento fino no trânsito, como em situações de emergência, com um ataque decidido.

Não há patilhas no volante para regular a intensidade da regeneração na desaceleração. Mas há uma função “B” facilmente acessível na alavanca da transmissão. Não tem muita intensidade, mas, para uma condução normal em cidade resulta bem e é de fácil adaptação para quem nunca guiou um carro elétrico. O percurso de cidade chegou para ficar com uma primeira ideia dos consumos, tendo obtido um valor de 11,1 kWh/100 km, o que equivale a uma autonomia de 468 km. Mas terei de confirmar este valor num teste mais prolongado. Em autoestrada, a 110 km/h estabilizados, o limite mais frequente nas autoestradas que usei, o consumo subiu aos 14,1 Kwh/100 km, equivalente a uma autonomia de 368 km. Mais uma vez, valores a confirmar, mas que dão uma boa indicação. O peso de apenas 1450 kg é uma boa ajuda. A condução em autoestrada é muito estável, de reações rápidas, sem serem bruscas e com boa sensação de potência disponível. Não há ruídos de rolamento, mas o retrovisor esquerdo gerava alguns sons desagradáveis e o motor emite um zunido que não devia lá estar.
Na montanha
Depois, deixei a lotada via rápida e entrei numa estrada secundária excelente, que já usei em testes de outros modelos no passado. Uma estrada de montanha, larga o suficiente, com piso aderente e curvas de todo o tipo, geralmente exigentes, para o condutor e para o carro. É claro que o 5 E-Tech Electric não é um desportivo, essa tarefa ficará a cargo do Alpine A290, como já se sabe. Mas o baixo centro de gravidade, a direção direta e a suspensão independente às quatro rodas geraram uma curiosidade que as primeiras curvas começaram a dar resposta. Passando ao modo Sport, claro que se ganha em resposta ao acelerador e maior liberdade do ESC, mas isso nem é o melhor, pois a aceleração 0-100 km/h anunciada é de 8,0 segundos.


Aquilo de que realmente gostei foi a dinâmica em curva. Tudo começa numa travagem que dá confiança, com o pedal sem nenhum efeito esponjoso, nem depois de ser solicitado repetidas vezes. O volante podia ser mais pequeno, mas a direção é rápida e precisa, dando muito boa informação da estrada. A entrada em curva faz-se com muito pouca inclinação lateral e sem movimentos parasita; e depois continua com enorme estabilidade em curvas longas de aceleração constante. A tração, que foi um problema nos primeiros Megane E-Tech Electric é muito boa, só se notando algum “torque-steer” em acelerações “a fundo” na saída de curvas lentas.
Como um desportivo
Exagerando com a velocidade de entrada em curva, claro que surge um pouco de subviragem, mas sempre com pouca inclinação lateral o que permite reagir com precisão e voltar a colocar o 5 numa atitude neutra. Querendo um pouco mais de animação, basta desacelerar bruscamente na entrada em curva para colocar a traseira a deslizar rapidamente mas em ângulos moderados, até o ESC entrar em jogo. Divertido, progressivo e fácil de explorar.

Voltando a um ritmo mais civilizado, o 5 mostrou que das 30 ajudas eletrónicas à condução, as que experimentei estavam bem calibradas. A Renault quer que a experiência de condução de um elétrico seja o mais fácil possível, por isso está a trabalhar em vários sistemas de pagamento, um deles em que não é preciso nenhum cartão, basta ligar o cabo ao carregador público. O custo é debitado na conta do utilizador. Também existe um definidor de percurso, mais de 50 Apps, um sistema de pontos para premiar a condução económica e até um treinador para ensinar a gastar menos. Além disso, o 5 está preparado para os sistemas V2L, para carregar outros utensílios elétricos e o V2G, que pode fornecer energia à rede elétrica, recebendo descontos na fatura doméstica de eletricidade.
Conclusão
A versão Techno que guiei custa 33 000 euros, a mais equipada Iconic vale 35 000 euros. Não são valores baratos, mas a parte emocional do 5 poderá ser a alavanca necessária para a Renault vender bem o 5, sobretudo depois do potencial cliente descobrir a parte racional. Em Novembro, chegam as primeiras 104 unidades, em Janeiro começa o fornecimento normal e o lançamento de versões mais baratas. A versão base de 95 cv e bateria de 40 kWh vai custar 25 000 euros e a segunda versão mais equipada, a Evolution, com bateria de 52 kWh e 120 cv custa 29 000 euros. Para quem conseguir aceder aos incentivos do Estado, esta última versão poderá ser a mais interessante.
Francisco Mota
(fotos de Yannick Brossard)
Renault 5 E-Tech Electric Techno
Potência: 150 cv
Preço: 33 000 euros
Veredicto: 4,5 estrelas
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