Altas potências em carros elétricos não é nada de novo. Mas fazer daí um verdadeiro desportivo já é mais complicado. Será que a Hyundai o conseguiu, com o Ioniq 5 N? Descubra no Primeiro Teste TARGA 67, conduzido por Francisco Mota.
As formas do Ioniq 5 enganam quem o vê apenas em foto. O estilo inspirado nos familiares compactos dos anos setenta, em particular na primeira geração do Lancia Delta, desenham na mente de quem o vê a imagem de um familiar do tamanho de um VW Golf. Mas a realidade não é assim.

O Ioniq 5 mede 4,64 metros de comprimento, mais que um VW Tiguan, ou que um VW ID.4, para o comparar com o SUV elétrico seu rival direto na casa alemã. Partir desta base para fazer um desportivo elétrico de imagem compacta, está longe de ser uma tarefa fácil. Mas a Hyundai não tinha outra alternativa e aumentou a rigidez torcional, com mais 42 pontos de soldadura e mais 2,2 metros de adesivos.
O tratamento N
Em termos de estilo, há novos para-choques, novas jantes forjadas e carenadas e uma utilização da cor preta nos baixos das portas e do para-choques de trás, para fazer o Inoniq 5 N parecer mais baixo e mais curto. No entanto, subiu 80 mm em comprimento e 50 mm em largura, descendo 20 mm em altura, face às outras versões.
Mas esse não era o único desafio. A gama de desportivos N da Hyundai alcançou um merecido estatuto de referência na sua franja de mercado. Modelos como o i30 N e o i20 N são a prova de como a marca conseguiu fazer dois dos melhores desportivos compactos do mercado.

Fazer a transição da marca N para os elétricos era uma tarefa delicada. Desde logo porque a massa em jogo é muito maior e a Hyundai não se queria ficar por oferecer apenas boas performances em linha. O Ioniq 5 N tinha que ser um elétrico competente em curva. Seria capaz?…
Primeiras impressões
Foi com tudo isto em mente que deitei a mão ao puxador encastrado, pouco prático mais muito aerodinâmico, e entrei no Ioniq 5 N. Os responsáveis pela definição do habitáculo não brincaram em serviço, usando as cores da sub-marca N em vários sítios para criar um ambiente desportivo e com perceção de qualidade melhor que as outras versões.

Os bancos com encosto de cabeça incorporado são excelentes na maneira como encaixam o corpo e nem sequer são muito duros. A Hyundai diz que os baixou em 20 mm apesar de terem a bateria por baixo. O volante tem uma pega muito boa e mais quatro botões do que os outros Ioniq 5.
Um botão serve para escolher entre os modos de condução Eco/Normal/Sport, outro para escolher entre os modos N e Custom, o terceiro para ativar os efeitos sonoros e a caixa de velocidades sequencial (já lá vamos…) e o último é o NGB (N Grin Boost) o botão que dá acesso aos 650 cv durante períodos de 10 segundos.
Ambiente desportivo
O painel de instrumentos tem também as cores N e muda de aspeto de acordo com o modo de condução usado. Já o ecrã tátil central tem mais uma página para regular todos os parâmetros dos dois modos configuráveis Custom, que incluem o amortecimento adaptativo. E muito mais.

A consola tem os comandos da climatização separados e vários porta-objetos entre os bancos, pois a alavanca da transmissão é uma terceira haste na coluna de direção, parcialmente oculta pelo volante.
A segunda fila está otimizada para dois adultos e os bancos da frente tiram alguns milímetros de espaço, mas nada que se note, pois o comprimento disponível continua imenso. Assim como a altura e a facilidade de acesso. O piso alto, obriga as pernas a ficarem mal apoiadas. A mala tem 480 litros, menos 47 litros que as outras versões.
Tato desportivo
Primeiros metros feitos em modo Eco não são muito diferentes dos outros Ioniq 5. Apenas é usado o motor dianteiro, a menos que se faça “kick down” no acelerador e o sistema perceba que é melhor ligar também o motor de trás.

A suspensão mostra de imediato uma firmeza superior, com os pneus 275/35 R21 a não ajudarem no conforto. Mas nada de realmente terrível, há suficiente tolerância no mau piso. O diâmetro de viragem é grande e dificulta as manobras mas a direção está bem assistida e os travões são fáceis de dosear.
Nos modos Normal e Sport ganha-se em rapidez de resposta dos motores, mesmo a baixa velocidade, com o último modo a aumentar o amortecimento. As patilhas no volante servem para regular a regeneração em quatro níveis e ainda para ligar o modo de regeneração automático e o modo “i-pedal”. Tudo como nas outras versões e tudo muito bem calibrado.
609 cv de potência nominal
Mas basta uma aceleração a fundo, em modo Sport, para perceber que este N é bem diferente dos outros Ioniq 5. Com um máximo nominal de 609 cv combinados, sendo 226 cv, para as rodas da frente e 383 cv, para as de trás, entregues com determinação, o pescoço é obrigado a tensionar os músculos para não deixar a cabeça ir contra o encosto.

Em autoestrada, dentro de velocidades legais, nota-se algum ruído aerodinâmico, apesar dos vidros duplos nas portas da frente. Mas muito pouco oriundo do rolamento dos Pirelli PZero no asfalto. Claro que a estabilidade é excelente e a suspensão não sacode os ocupantes quando se encontram bossas ou depressões do piso.
Em estradas secundárias
Mas a minha missão era descobrir se a Hyundai tinha mesmo conseguido fazer um verdadeiro desportivo. Comecei por uma estrada secundária com curvas de vários tipos. Em ritmo médio-alto, a suspensão mostrou um excelente controlo de massas nos encadeados com trocas de apoio mais bruscas, fazendo esquecer os 2275 kg.

O mesmo posso dizer do ataque inicial e potência dos travões, com discos ventilados bimatéria (disco de aço e centro de alumínio) com 400 mm de diâmetro, na frente e 360 mm, atrás. Isto, depois de a regeneração fazer o seu papel, claro.
Passando ao modo N, é possível configurar parâmetros como o amortecimento, assistência da direção, controlo de tração e estabilidade e o som sintetizado, entre outros. O som pode ser escolhido entre uma reprodução de um motor 2.0 turbo a gasolina, um som de EV exagerado e o de uma espécie de nave espacial. Há altifalantes para dentro e dois para fora.
Não é um “gadget”
O próximo passo foi ativar aquilo que esperava ser apenas mais um “gadget” meio tonto, o N e-shift, ou seja, a simulação de caixa de velocidades sequencial. Foram simuladas oito relações de transmissão, que se selecionam através das patilhas do volante.

Bastou subir um pouco o ritmo da condução e começar a dar patilhadas, a subir e a descer para perceber que o trabalho foi incrivelmente bem feito.
Não se trata apenas de um efeito sonoro, que está muito bem feito e até inclui detonações de escape durante as passagens, som de limitador de rotações antes de passar à mudança acima e um perfeito ponta-tacão nas reduções.
Simulação perfeita
Mas, como digo, não são apenas efeitos sonoros. A cada “mudança de caixa” corresponde um nível de regeneração, limitação de velocidade dos motores elétricos e cortes de binário pontuais, para dar aquela sensação de passagem de caixa sequencial de competição: bruta e decidida.

No painel de instrumentos há um conta-rotações que chega às 6800 rpm e acende “shift-lights” para indicar a altura de passar à mudança acima. Se o condutor não o fizer, a velocidade não sobe. Está tudo tão bem feito que, um passageiro mal informado vai jurar que está a bordo de um carro com motor a gasolina.
Na verdade, a rotação máxima real dos motores é de 21 000 rpm, não dos fictícios 6800 rpm mostrados no painel, a que corresponde uma velocidade máxima de 260 km/h, sem necessidade de ter uma verdadeira caixa de duas velocidades, como a Porsche tem no Taycan, pois usa motores que só fazem 15 000 rpm.
E agora, em pista
A seguir, tive a oportunidade de guiar o Ioniq 5 N numa pista de testes perto de Barcelona, para testar tudo isto a ritmos consideravelmente mais rápidos. E a primeira coisa que conclui foi que a caixa de velocidades virtual é uma ajuda excelente para tirar o melhor partido deste elétrico.

Na verdade, conduz-se como um bom desportivo a gasolina, utilizando da mesma forma as mudanças virtuais como referência para entrada em cada curva e dando uma sensação de controlo fantástica, ajudando muito os travões com a regeneração.
Experimentei o Launch Control e o modo NGB. O primeiro é bastante vistoso, passando com brutalidade o binário máximo às rodas para fazer os 0-100km/h em 3,4 segundos. O segundo, quando ativado no inico de uma reta, faz realmente aumentar a força, mas com um efeito sonoro “espacial” que sugere ainda maior aceleração.
O modo N Grin Boost
Em ambos os modos, a potência máxima sobe aos 650 cv durante 10 segundos, precisando de outros dez para arrefecer a bateria e estar pronto para mais um N Grin Boost. Nesta situação, a potência do motor da frente atinge os 238 cv e o de trás chega aos 412 cv, com os mesmos 770 Nm de binário combinado.

Quanto ao resto, o Ioniq 5 N impressiona pela maneira como lida com toda a sua massa. Muito boa entrada em curva, rápida e precisa. Boa aderência lateral em apoio e forte tração à saída. Não falta potência de travagem.
Ligeiramente sobrevirador
Apesar de não ter tido autorização para desligar o ESC em pista, mesmo no nível Sport à saída das curvas lentas notei uma ligeira tendência sobreviradora muito bem definida pelo diferencial eletrónico traseiro. Ajuda o carro a rodar sem ser preciso correções com o volante.
Ao final de quatro voltas feitas a bom ritmo, os travões não evidenciavam nenhum tipo de queixas e os pneus não tinha desgaste assimétrico, mostrando a boa afinação da suspensão e a distribuição de pesos equitativa entre os dois eixos.
Exagero de configurações
Claro que o meu tempo de pista não foi suficiente para experimentar todas as afinações possíveis no modo N e que são as seguintes: N Active Sound (3 tipos de som sintetizado); N Battery Preconditioning (2 opções de aquecimento/arrefecimento da bateria para máxima performance), N e-shift (caixa de velocidade sequencial virtual); N-Pedal (3 níveis de intensidade de regeneração com máximo de 0,6g); N Race (2 níveis Sprint e Endurance para melhor usar a bateria); N Torque Distribution (11 níveis de distribuição de binário frente/trás) e o N Grin Boost já referido.

Seria preciso um dia para testar todas as combinações em pista, somando ainda os três níveis de amortecimento, dois níveis de assistência da direção, a função de travagem com pé esquerdo e a simulação de toque de embraiagem, uma técnica usada em carros de tração atrás para iniciar uma deriva de traseira. Neste caso, basta puxar as duas patilhas ao mesmo tempo.
O modo N Drift
Mas a Hyundai não me deixou vir embora sem testar o N Drift, numa área reservada para o efeito. Depois de selecionada esta função, a ideia era simples: aproximar a baixa velocidade de uma zona delimitada por cones, virar o volante e acelerar a fundo.

A traseira entra em deriva de imediato e depois é uma questão de manter o “drift” com o volante e o acelerador. A maior dificuldade é gerir a brutalidade com que o binário é entregue às rodas assim que se toca no acelerador. Claro que as primeiras tentativas acabaram em “donuts” não intencionais, mas depois consegui manter o “drift” ao longo de quase 270 graus.

A bateria do N é de 84 kWh (77 kWh nas outras versões), anunciando uma autonomia WLTP de 448 km e com uma arquitetura de 800 Volt que lhe permite carregar a potências até aos 350 kW DC, demorando nessa situação a ir dos 0 aos 80% em 18 minutos. Não medi com rigor o consumo durante este teste, mas vi no computador de bordo 20 kWh/100 km, na estrada e mais de 40 kWh/100 km, na pista.
Conclusão
Pode dizer-se que a função N Drift não serve para nada. Pode dizer-se que a quantidade de outras funções obriga a ir para uma pista para as testar como deve ser. Pode dizer-se que um desportivo radical e elétrico como este não faz sentido, sobretudo porque o consumo sobe a valores proibitivos. Mas a verdade é que a Hyundai demonstrou que é possível fazer um elétrico verdadeiramente desportivo, reconvertendo alguns princípios dos carros de combustão sem que pareçam apenas gadgets. Até agora, foi o elétrico que me deu mais gozo guiar numa pista, ou mesmo fora dela.
Francisco Mota
Hyundai Ioniq 5 N
Potência: 650 cv
Preço: 79 900 euros
Veredicto: 4,5 estrelas
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