Este é o primeiro carro do escorpião eletrificado. Aspeto agressivo não lhe falta, mas será que um motor elétrico e uma bateria podem fazer as vezes de um 1.4 turbo e um depósito de gasolina? Para descobrir, fui ao Centro Sperimentale Balocco fazer o Primeiro Teste TARGA 67 ao Abarth 500e.
Ao longo dos últimos trinta anos, perdi a conta ao número de vezes que fui ao Centro Sperimentale Balocco, um labirinto de pistas de testes erguido pela Fiat, que serve para pôr à prova modelos em fase de desenvolvimento. Foi lá que guiei pela primeira vez os Alfa Romeo 8C e 4C, mas nunca lá tinha ido para guiar um carro elétrico, ainda para mais um Abarth.

Quando a Stellantis anunciou que o Abarth ia passar a ser elétrico, começaram as indignações dos mais radicais apaixonados pelas versões a gasolina. Como poderia um Abarth ser elétrico?!…
É certo que ainda estamos na infância dos carros elétricos, mas são muito poucos os que tiveram no seu caderno de encargos o prazer da condução como prioridade. Pelo menos nos menos caros.
Abarth cumpre tradição
A Abarth, dentro da sua tradição, queria fazer as duas coisas: um elétrico divertido de guiar, não apenas com acelerações fulminantes em reta, a um preço abordável. Juntos, estes sempre foram os dois grandes valores da marca.

Para saber se isso é possível, a Abarth levou-me a Balocco para um programa irrecusável: um Primeiro Teste ao 500e, na pista e na estrada, falar com os engenheiros e até guiar um dos atuais 695, com o 1.4 turbo de 180 cv, para comparar.
695 ainda é um “grande” carro
E foi pelo Abarth a gasolina que comecei, largado para um percurso desenhado entre a pista principal e estradas de serviço a que chamaram “Abarth Handling Track”. Mais curvas lentas que rápidas, retas curtas e até um gancho. Um traçado feito por medida para o 500e.
Mas as primeiras duas voltas à pista foram feitas num 695 com caixa manual, em modo Sport e com o glorioso escape a largar o seu som rouco. O motor tem força, mas só acima das 2500 rpm, quando o turbocompressor acorda.

Daí para cima, o 695 encanta pela potência e caráter. A caixa manual não é muito rápida, mas está bem escalonada. O chassis tem muita tração e aderência.
Entrada precisa em curva e boa reação da traseira às desacelerações em apoio até o ESC, que nunca se desliga, entrar em campo. Para um carro lançado em 2008, não está mal.
O choque não foi elétrico
Passei diretamente para o 500e e foi o choque. Não o choque elétrico (perdoe a piada fácil…) mas o choque ergonómico. Na nova plataforma do Fiat 500 elétrico, já não vou encostado à porta e agarrado a um volante enorme, descentrado e quase sem regulações. Nem vou sentado alto como num micro-SUV.

A posição de condução do 500e é excelente, com um banco confortável de bom apoio lateral, além de ter ótimo aspeto; um volante forrado a Alcantara, que as mãos não deixam de acariciar e ajustes que permitem uma postura que parece a de um carro do segmento acima. Claro que, à custa do espaço nos lugares de trás.
Detalhes de estilo
A decoração interior, com pespontos, tecidos negros, escorpiões, bordados e Alcantara numa aplicação no tablier, faz esquecer que todos os plásticos são duros. Mas não esconde o raro erro ergonómico de se ter substituído a alavanca da transmissão por botões individuais P, R, N e D na consola. Nas manobras, são um quebra-cabeças, tal como no Fiat 500 elétrico.

Por fora, não há faixas coloridas como antes, a decoração é mais “limpa” que no passado. Dizem que os “gamers”, uma parte do público alvo deste 500e, preferem assim.
Mas há saias laterais, um spoiler e um difusor novos, além do para-choques “sem sorriso”, com a marca em letras enormes, relegando o escorpião (também eletrificado nas cores) para o capót e flancos. E novas jantes, que são de 17”, na versão base e de 18”, na versão Turismo, a mais equipada que foi também a que testei.
Fiat 500 elétrico é a base
Como em quase todos os Abarth de estrada, a origem é um modelo Fiat. Um Abarth é uma espécie de preparação, que era a palavra que se usava antes de “tuning”, e este 500e não é exceção.

O motor elétrico é o mesmo do Fiat 500 elétrico, com uma gestão modificada e uma relação final mais curta, que o faz rodar 1000 rpm mais depressa e aumenta o binário às rodas.
A potência sobe dos 118 aos 155 cv e o binário dos 220 aos 235 Nm, o que faz baixar a aceleração 0-100 km/h dos 9,0 para os 7,0 segundos. Por 0,3 segundos não consegue bater o 695 de 180 cv.
Menos autonomia
A bateria é a mesma de 42,2 kWh, também aqui com uma gestão diferente, mais virada para a performance que para o consumo, justificando uma descida da autonomia anunciada de 330 para 265 km. Continua a poder ser carregada a 85 kW DC, demorando, nesse caso, 35 minutos para ir dos 0 aos 80% de carga.

A direção foi recalibrada e a travagem trocou os tambores por discos, nas rodas de trás. A suspensão foi a que recebeu mais alterações com molas mais duras e amortecedores 15% mais fortes; a altura ao solo desceu 9 mm e as vias aumentaram 60 mm, tendo sido desenvolvidos pneus Bridgestone Potenza Sport específicos, de medida 205/40 R18.
Na pista de Balocco
A entrada em pista com o Abarth 500e foi à ordem de partida de um comissário, portanto… a fundo! Em Launch Control, o 500e não impressiona tanto pela potência, como pela forma continuada como entrega o binário. Mas são “só” 155 cv, há que não colocar as expetativas demasiado altas.

O que supera as expetativas é o gerador de som artificial. Não é um daqueles zunidos para avisar os peões abaixo dos 30 km/h, é um troar inspirado no sopro do famoso escape Record Monza, usado nos Abarth a gasolina. É alto, varia a frequência com a velocidade e é emitido para a rua, através de um enorme subwoofer colocado por baixo do carro, atrás da roda traseira esquerda e feito à prova de chuva e lama.
Assim, o condutor partilha o som com quem vê passar o 500e na rua e recebe-o por fora, não pelos altifalantes como noutros casos. Os engenheiros dizem que o volume acabou por ficar mais próximo dos valores legais que o verdadeiro Record Monza.
Modos de condução
Há três modos de condução, que mereciam um “manettino” no volante: Turismo, Scorpion Street e Scorpion Track, sendo o primeiro o único com potência limitada (aos 136 cv) e resposta mais lenta ao acelerador, uma espécie de modo Eco.

Este e o modo Scorpion Street têm função “one pedal” que aumenta a intensidade da regeneração e leva o carro até à imobilização total. No modo Scorpion Track, não há função “one pedal” e o ESC entra mais tarde.
Não há patilhas para ajustar os níveis de regeneração, porque o Fiat também não as tem e isso significaria mais custos. Perde-se um pouco de comando da condução, ficando mais dependente dos travões, em modo Scorpion Track.
Melhores recuperações
Os técnicos dizem que o 500e é mais rápido que o 695 um segundo, nas recuperações de 20 a 40 km/h, 40 a 60 km/h e de 60 a 100 km/h. Contudo, fica-se pelos 155 km/h (mais 5 km/h que o Fiat) enquanto o 695 chega aos 225 km/h.

Em pista, o 500e sente-se mais rápido a sair das curvas lentas, mas a diferença não é muita e o envolvimento é menor, apesar de os pilotos de testes terem demorado menos um segundo a fazer uma volta com o 500e.
Melhor suspensão
Onde o elétrico se mostrou bem melhor foi na maneira como a suspensão, de eixo de torção atrás, lida com entradas rápidas em curva. A direção tem um rácio um pouco menos direto, tornando-se menos nervosa, mas a afinação da suspensão traseira ajuda a rodar o carro.

O peso é de 1410 kg, mais 320 kg que o 695 e são praticamente todos responsabilidade da bateria, que pesa 295 kg. É um peso reduzido, para os padrões dos elétricos, e como a bateria está sob o piso, ajuda a manter o Centro de Gravidade baixo, além de melhorar a distribuição percentual de pesos entre a frente e a traseira, que passa dos 63/37, do 695 para os 57/43, do 500e.
Divertido de guiar em pista
Resultado, o 500e curva de forma menos agitada, mais estável e mais eficiente, sem deixar de ser moldável aos desejos do condutor. A direção está muito bem calibrada, tanto em precisão como assistência, contribuindo para a diversão. Os travões lidam bem com o peso, mesmo no final da maior reta do traçado, seja na potência, seja na estabilidade.

Quanto ao gerador de som, pode parecer um “gadget”, mas está realmente muito bem feito. Claro que não deixa de soar artificial, mas os ouvidos adaptam-se e gostam. É uma homenagem aos primórdios da Abarth como especialista de escapes desportivos.
Confortável na estrada
Depois da pista, as estradas em redor do complexo de testes de Balocco, ou seja, asfalto partido, remendado e desnivelado. E a suspensão voltou a surpreender pela forma sofisticada como trata o mau piso. Claro que é firme, mas nunca é realmente desconfortável, não deixando passar pancadas à estrutura.

O modo de condução Turismo mostrou ser o ideal para uma condução tranquila. O acelerador está muito bem calibrado, tal como os travões, onde mal se nota a transição entre a travagem magnética (até aos 0,3 g) e a travagem de fricção. Muito civilizado em meio urbano, com a função “one pedal” a funcionar muito bem.
Ágil a curvar
Mas logo surgiu uma sequência de curvas mais desafiantes, perfeita para testar o modo Scorpion Street que usa a função “one-pedal”. E a sua atuação mostrou-se de grande utilidade, antecipando a travagem assim que se levanta o pé do acelerador, o que ajuda a manter maior controlo sobre a ação.

Se, em pista, a dinâmica já tinha agradado, em estrada agradou ainda mais. Não só a subviragem surge muito tardiamente, como a traseira tem uma tendência natural de fazer rodar o carro, facilitando a sua inserção na trajetória e dando às rodas da frente maiores hipóteses de pôr rapidamente o binário no chão.
As situações que levaram o controlo de tração a trabalhar, foram poucas e provocadas por acelerações exageradas à saída de curvas lentas. Em condução empenhada, a potência e o binário disponíveis não parecem extraordinários, mas isto é apenas o princípio da “viagem” da Abarth pelos elétricos, outras versões mais poderosas vão certamente surgir no futuro.
O dilema do som
De volta ao “Centro Sperimentale Balocco”, rolando a 80 km/h estabilizados, o som artificial começa a cansar, demasiado alto e monótono. Não se pode regular o volume, mas pode desligar-se. Para isso, é preciso gastar tempo a procurar o “off” no computador de bordo, o que só pode ser feito com o carro parado. Logicamente.

Fiz isso mas, poucos quilómetros depois, senti-lhe a falta. De repente, uma parte do caráter deste 500e tinha desaparecido, quase parecia estar ao volante de um elétrico vulgar.

E falta falar de coisas mais vulgares, como da autonomia real. Numa condução em percurso misto, por vezes depressa, o consumo médio foi de 17,7 kWh, o que equivale a uma autonomia de 237 km, não muito longe dos 265 Km anunciados pela marca.
Conclusão
O preço base é de 38 030 euros, mais 4 000 euros que um Fiat 500 elétrico de 118 cv e mais 3 200 euros que um 695 de 180 cv. A versão Turismo custa mais 4 000 euros e a versão cabrio acrescenta 3 000 euros. Comparando com um 595 de 165 cv, o 500e custa mais 6 500 euros. Não se pode dizer que seja um exagero. Quanto à pergunta inicial, a Abarth conseguiu mesmo fazer um pequeno desportivo elétrico, que entusiasma mais nas curvas do que nas retas, como todos os seus modelos do passado.
Francisco Mota
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