Ícone dos anos setenta, o Ford Capri chegou a ser considerado o Mustang europeu. Após 38 anos, voltou, mas agora como SUV elétrico. Francisco Mota já o testou em estradas francesas para descobrir o que guardou do original.

A geração SUV elétrica do Ford Capri usa a plataforma MEB de origem Volkswagen, a mesma da família dos ID. É o resultado de uma colaboração entre os dois construtores, que inclui também os veículos comerciais e as pick-up. O Ford Capri partilha muito também com o Ford Explorer elétrico, podendo o primeiro ser visto como a versão SUV-Coupé do segundo. Contudo, ao contrário de outras marcas, em vez de lançar um Explorer Coupé, a Ford lança o Capri.
Não é nostálgico
A utilização do nome do coupé de quatro lugares, lançado em 1968, obrigava a ir buscar alguns dos traços que fizeram a imagem do Capri original. Não se trata de um desenho nostálgico “colado” ao original, como outras marcas fazem quando se trata de veículos elétricos, mas de uma evocação que se percebe melhor nos detalhes do que nas proporções. O Capri é agora um C-SUV relativamente alto, com os pneus 235/50 R20, na frente e 255/45 R20, atrás a contribuirem para o efeito. No perfil destaca-se a inclinação dos vidros de trás e da frente e o formato em meia lua do terceiro vidro lateral, tal como no Capri original.



O desenho da frente faz lembrar os faróis retangulares unidos por uma grelha preta, da primeira geração e, na parte de trás, também nas luzes se percebe de onde vem a inspiração. No geral, o trabalho de estilo resultou bem (com um Cx de 0,26) tendo em conta que estamos a falar de um modelo de um segmento totalmente diferente do Capri que deixou de ser produzido em 1986, totalizando 1,9 milhões de unidades. Quem conviveu com o original diz que o novo Capri “não é um verdadeiro Capri”, segundo os estudos de marketing da Ford. Os mais novos não têm esse condicionamento.
Igual ao Explorer
Quanto à parte mecânica e elétrica, as diferenças para o Explorer são muito poucas, até porque ambos os modelos são fabricados pela Ford na sua remodelada fábrica de Colónia, na Alemanha, onde a Ford Motor Company investiu 2 mil milhões de euros. Outros modelos construídos com base nesta plataforma serão feitos no mesmo sítio, um deles já foi confirmado, mas a Ford não deu detalhes. O Capri tem a mesma distância entre-eixos de 2767 mm do Explorer, mas um comprimento 136 mm superior, atingindo os 4634 mm.




Falando de motorizações, a Ford vai oferecer duas opções na altura do lançamento. A primeira é o Single Motor RWD que usa uma bateria com 77 kWh úteis, tem 286 cv, 545 Nm, tração às rodas de trás e autonomia de 627 km, indo de 10 a 80% em 28 minutos num carregador rápido de 135 kW DC. A aceleração 0-100 km/h anunciada é de 6,4 segundos e a velocidade máxima de 180 km/h.
Duas opções
A segunda opção é o Twin Motor AWD que tem bateria de 79 kWh úteis, 340 cv, 545 Nm, um motor por eixo, tração às quatro rodas e autonomia até 592 km. Carrega a bateria a 180 kW DC demorando 26 minutos de 10 a 80%. A aceleração 0-100 km/h é de 5,3 segundos e a velocidade máxima também de 180 km/h. Segundo a Ford, a versão menos potente pesa 2098 kg e a mais potente chega aos 2174 kg. Tal como o Explorer, o Capri estará disponível em dois níveis de equipamento, o normal e o Premium, ambos muito recheados de items de conetividade, conforto e ajudas eletrónicas à condução, entre outros.




Neste primeiro contacto dinâmico, ficou evidente que a Ford poupou nos custos de produção onde era possível. Tanto o volante, como o tablier e até o monitor central deslizante são idênticos aos do Explorer. Os bancos têm o apoio de cabeça integrado e razoável apoio lateral. O espaço em comprimento atrás é generoso, o piso não é alto e há lugar para os pés sob os bancos da frente. O banco de trás foi pensado para dois, não para três. Contudo, o tejadilho plano não penaliza o acesso, nem o perfil “fastback” da tampa da mala, que apenas reduz a altura disponível para cargas mais altas, mas, ainda assim, anuncia 570 litros de capacidade, mais que os 470 litros do Explorer. A consola entre os bancos tem capacidade até 17 litros e vários compartimentos, mas não há um “frunk” sob o capôt da frente.
Cofre escondido
O infotainment é relativamente fácil de usar por ter botões táteis grandes, um pouco ao estilo do Mustang Mach-E, se bem que a distribuição dos comandos pelas páginas não é totalmente lógica. Os comandos da climatização estão sempre presentes como botões táteis na base do monitor central de 14,6” de diagonal. A função deslizante do monitor tátil colocado na vertical permite fugir aos reflexos do Sol e cria um espaço porta-objetos escondido por detrás que fica bloqueado quando se trancam as portas.




O painel de instrumentos é pequeno mas tem a informação essencial e não é difícil de ler. A alavanca rotativa da transmissão é uma haste à direita do volante, obrigando todas as outras funções a ficar apenas na haste do lado esquerdo, o que torna o seu uso menos intuitivo. No topo do tablier está uma coluna de som horizontal, como agora è moda em alguns modelos da Ford.Em termos de qualidade, o Capri segue o Explorer, com uma mistura de materiais pouco homogénea, juntando plásticos duros e macios de forma nem sempre lógica.
Na estrada
Este teste incidiu principalmente na versão Single Motor RWD de 286 cv, a versão intermédia, esperando-se para mais tarde uma versão de 170 cv a custar 48 378 euros. O modelo de 286 cv testado em estradas no Sul de França custa 55 543 euros, mais 2500 euros que o Explorer equivalente. O condutor pode escolher entre quatro modos de condução através de um atalho no topo do monitor, que lhe permite selecionar entre as opções: Eco/Normal/Sport/Individual que ajustam o habitual: resposta do acelerador, assistência da direção e funcionamento dos auxiliares. A suspensão é independente às quatro rodas, os amortecedores são passivos mas sensíveis à frequência do piso.




Em modo Eco, a resposta do motor até ao ressalto do acelerador é mais do que suficiente para uso em cidade ou estrada. A aceleração é vigorosa mas nada brusca e a tração traseira não tem problemas em colocar a potência no chão. Em modo Normal, ganha-se um pouco mais de consistência na assistência da direção, que tem um diâmetro de viragem muito curto de 9,7 metros, facilitando as manobras. Só há dois níveis de regeneração, um normal relativamente suave e um “B” acionado na alavanca da transmissão, que é um pouco mais intenso, mas não muito. Seria bom ter patilhas no volante para escolher entre mais níveis, acrescentando mais controlo à condução. Os retrovisores ancorados no ângulo da porta e a maior inclinação dos pilares da frente, face ao Explorer, dificultam a visibilidade.
Muito silencioso
Em autoestrada, o Capri revelou-se silencioso, suave a debitar potência e com uma suspensão tolerante aos pisos ondulantes, apesar de reagir com algumas oscilações típicas de um SUV pesado. Em estrada secundária, com algumas curvas exigentes, a suspensão mostra o habitual da Ford: que é possível ter conforto, mesmo montando pneus de medida larga e ao mesmo tempo uma dinâmica precisa e divertida. A Ford não fez do Capri um desportivo, tal como o original também nunca foi, mas há diferenças para o Explorer, como a suspensão 6 mm mais baixa, o que levou a montar molas mais curtas, amortecedores diferentes, direção menos assistida e ESC com outra calibração. Há alguma inclinação lateral em curva e oscilações quando o piso não é perfeito. Mas o controlo é sempre muito bom, a direção é rápida e a frente resiste muito bem à subviragem. São diferenças grandes para o ID.4 ou ID.5, apesar de as modificações feitas pela Ford serem sobretudo de calibração e de escolha de componentes disponíveis na gama ID da VW. Cabe aqui criticar o volante “quadrado”, grande e muito pouco ergonómico, com botões hápticos em que se toca sem querer nas manobras. Mas com amplos ajustes que permitem uma boa posição de condução, não muito alta, e uma assistência melhor que a do Explorer.




A diversão aumenta quando se passa ao modo Sport, não só pelo aumento de binário disponível no primeiro terço do acelerador, mas porque se consegue gozar um pouco da sobreviragem na saída das curvas feitas com mais empenho. Nada que assuste um condutor menos experiente, mas capaz de fazer rodar o Capri apenas com a força aplicada às rodas traseiras. Isto porque o ESC do Capri tem uma calibração diferente do Explorer, sendo mais permissivo, tanto na desaceleração brusca em curva, deixando colocar a traseira; como em aceleração, fazendo-a sobrevirar um pouco. Elogios para a progressividade dos travões, tanto em cidade como em estrada.
Conclusão
A Ford conseguiu fazer uma versão diferente do Explorer para dar resposta a quem prefere um C-SUV com linhas de coupé, acrescentando o bónus de ir buscar um nome famoso da sua história. Optou por um estilo não demasiado “colado” ao Capri original, restando saber se isso foi uma decisão acertada ou pouco corajosa.
Ford Capri Single Motor RWD
Potência: 286 cv
Preço: 55 543 euros
Veredicto: 4 estrelas
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