2/2/2024. Sempre que Carlos Tavares dá uma entrevista, diz tanto ou mais nas entrelinhas como diz nas linhas. No mais recente “episódio” falou da ameça chinesa, do nascimento da Stellantis e da sua expansão. Na Crónica à 6º feira desta semana no TARGA 67, Francisco Mota tenta perceber se a GM e/ou a Ford podem estar na sua lista de compras.
Como todos os jornalistas especializados na indústria automóvel, não perco uma linha daquilo que o nosso compatriota Carlos Tavares, CEO do grupo Stellantis, afirma, sempre que dá uma entrevista. E não é só porque tem a coragem de apontar os problemas que, no seu entender, são os mais relevantes e urgentes. De uma forma direta e sem equívocos.
Desta vez, Tavares, que lidera um grupo formado através da fusão da francesa PSA e da italiana FCA e que reúne 14 marcas, falou sobre o perigo crescente da entrada dos construtores chineses na Europa e nas maneiras como os fabricantes europeus podem reagir.
Como reagir aos chineses
A primeira sugestão é clássica e tem a ver com a questão das trocas comerciais entre a China e a Europa, que tem aberto uma autoestrada para os produtos chineses serem vendidos no Velho Continente. Criar barreiras fiscais à importação de veículos chineses, protegendo os de marcas europeias é a primeira ideia.
Uma ideia que já foi defendida pelo próprio governo francês e que será implementada, mais dia, menos dia. É uma ideia de protecionismo, mas que protege os fabricantes, não necessariamente os consumidores. Uma ideia que tem nos apoios estatais chineses aos construtores locais que queiram exportar, o alibi perfeito.
Se o Estado chinês apoia os seus construtores, sem se preocupar em quebrar normas de concorrência desleal, por que razão a Europa não se pode proteger desta “invasão” suportada por uma “batota”?…
Até ao dia em que…
Mas é uma ideia de curto alcance. No dia em que os construtores chineses decidirem abrir fábricas na Europa, empregando cidadãos europeus e pagando impostos na Europa, como se pode manter um regime contra os construtores de origem chinesa? Aliás, isso já aconteceu, com a BYD a anunciar a abertura de uma fábrica na Hungria, para “fabricar na Europa os carros que se vão vender na Europa”.
Outra questão é definir o que é um produto chinês, em particular no caso dos automóveis, que usam maioritariamente baterias com células feitas na China. Um carro, montado em França por uma marca francesa, mas com células de bateria chinesas já não é chinês?…
Fusões e aquisições
Na entrevista, Tavares chega à conclusão natural, que têm de ser os construtores europeus, ou melhor, os ocidentais, a reforçar-se para resistir aos chineses. O exemplo da formação da Stellantis é citado pelo CEO como exemplo daquilo que pode ser feito nesse sentido.
Confessa-se surpreendido pela estratégia que o Grupo Renault está a adotar, que vai no sentido inverso, afastando-se cada vez mais da Aliança Renault/Nissan/Mitsubishi e optando por uma estratégia de empresa boa/empresa má com a Ampere. Poderá ler todos os detalhes sobre a Ampere seguindo o link no final desta crónica.
E a GM e a Ford?
Mas o mais interessante do discurso de Tavares é quando fala da GM e da Ford. Naquilo que começa por parecer uma apreciação sobre uma hipotética formação de um grupo americano entre as duas empresas, Tavares acaba por deixar nas entrelinhas uma ideia bem diferente.
Pelo menos, na minha interpretação daquilo que foi dito, parece-me que na mente do CEO está a expansão da Stellantis e não a perspetiva da criação de um gigante rival, quando diz: “Estou só a tentar ver como consigo fazer a minha empresa bem sucedida, em primeiro lugar. Em segundo lugar, se for esse o caso, quais são as oportunidades que vão aparecer.”
Nada de hostil
Tavares continua o seu raciocínio: “o que quer que façamos, se fizermos alguma coisa, temos que o fazer de uma forma amigável. Para mim isso é fundamental, não vamos fazer coisas hostis.” Ou seja, uma referência direta à maneira como a Stellantis foi criada e como deve crescer. Uma fusão “win-win” como afirma.
Tavares vê as fusões e aquisições entre grupos automóveis como a única maneira sustentável de reagir ao perigo dos construtores automóveis chineses, quando afirma: “Se essas oportunidades se materializarem, então queremos fazer parte dessa consolidação.”
O maior obstáculo a mais fusões e aquisições está nas leis anti-concorrenciais (antitrust) europeias, que Tavares considera serem “contraproducentes para fazer face à ofensiva chinesa”. Mas também admite que teve de agradecer à União Europeia a autorização e ajuda para criar a Stellantis.
Conclusão
Por tudo aquilo que foi dito nas linhas e entre elas, não me restam dúvidas de que Tavares anda novamente “às compras” e se o Grupo Renault pudesse ser o objetivo mais óbvio, o facto de citar a Ford e a GM mostra que as suas ambições, como sempre, são bem mais altas.
Francisco Mota
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