Um dia inesquecível: guiar as quatro versões do Lamborghini Huracán por estradas secundárias italianas e também na “autostrada”. Uma homenagem ao supercarro mais vendido de sempre da marca italiana, neste Último Teste do Evo Spyder, Tecnica, STO e Sterrato, conduzidos por Francisco Mota.
O plano era fazer uma “road trip” com partida de Bolonha, em direção a Forte dei Marmi, na costa Oeste de Itália, usando o máximo de estradas secundárias mas também algumas “autostradas”. À disposição dos jornalistas convidados para este “Ultimate Test Drive” as 4 versões do Huracán: Evo Spyder, Tecnica, STO e Sterrato, duas delas repetidas.
A organização não obrigava ninguém a seguir em caravana, mas havia ligação rádio entre os carros e pontos obrigatórios de paragem, para troca de carro ou de condutor, pois cada Huracán era ocupado por uma dupla de jornalistas.

Tive sorte e calhou-me um experimentado colega italiano, como eu, da imprensa especializada automóvel. Conversa sobre carros foi coisa que não faltou, sempre que os Huracán não levantavam a “voz” e eram eles os oradores.
O que poderia correr mal?…
Um plano bem pensado, nada iria correr mal. Só que… não. A tempestade Ciaran fez uma passagem por esta região da Emilia Romana e Toscania, na véspera da partida e deixou um rasto à sua passagem. Um rasto nas estradas que faziam parte do percurso.

Ao nascer do sol ainda chovia, a estrada estava encharcada, com “rios” de água a atravessar o asfalto. À medida que fomos entrando em estradas cada vez mais secundárias, escolhidas pelo seu traçado desafiante, a situação piorou.
Desabamentos de terras obrigaram as brigadas de trabalhos de reconstrução a levar as suas máquinas para a estrada, para a limpar e desimpedir de rochas e árvoces caídas na via. O que sobrava eram autênticos lamaçais que rapidamente acrescentaram a cor castanho às imaculadas carroçarias multicolores dos Huracán.
“Vai, Vai!…”
Ver um conjunto de seis Lamborghini a passar numa estrada rural, não é propriamente vulgar, nem mesmo em redor de Bolonha. Mas vê-los a passar nestas condições, salpicados de lama até aos vidros, foi algo que deve ter deixado algumas exclamações em quem os via passar: “que bando de ricos estúpidos!…”

Na verdade, não foi isso que lhes li nos rostos, a lendária paixão italiana pelos automóveis é uma realidade e o que vi foi dedos apontados, expressões de espanto, sorrisos e acenos: “vai, vai!”
Evo Spyder para começar
A mim e ao meu colega Alessandro, foi-nos atribuído o Evo Spyder no primeiro troço. Claro que abrir a capota elétrica estava fora de questão.
Acabámos por usufruir apenas da pior parte de guiar um descapotável de motor central: habitáculo apertado e difícil visibilidade para fora, mesmo pela câmara de marcha-atrás que ocupa por momentos o painel de instrumentos, mas deixa acumular água, distorcendo a imagem.

Mas a verdade é que o Evo, a versão “base” (com muitas aspas) tem o mesmo V10 de 640 cv, 600 Nm e caixa de dupla embraiagem de sete dos outros Huracán.
O que também tem é tração e direção às quatro rodas e amortecedores adaptativos MagneRide, que fazem uma grande diferença quando se muda dos modos de condução desportivos Sport e Corsa, para o mais calmo Strada.
Confortável? Sim…
A palavra conforto, dita em italiano e inglês andou de boca em boca dentro do Evo, mesmo nos pisos em pior estado ou sobre bandas sonoras. Claro que não tem exatamente o mesmo significado que tem num SUV, como nos dois Urus que acompanhavam a caravana, mas torna o Huracán num carro perfeitamente civilizado nos pavimentos do mundo real.

Muito poucas vibrações se sentem na estrutura de alumínio e fibra de carbono, provando a sua rigidez, mesmo depois de lhe terem “cortado” o tejadilho. A direção é bastante leve em Strada e apenas os travões carbo-cerâmicos obrigam a alguma habituação, porque não são muito progressivos no ataque inicial.
Nos primeiros milímetros do curso do pedal, parece que nada acontece, para logo a seguir as maxilas agarrarem os discos com alguma brusquidão. A caixa, deixada em modo automático, é civilizada o suficiente, mesmo no trânsito de para-arranca.
Enormes patilhas
Carregando no botão “M” na consola, passo ao modo manual, através das enormes patilhas metálicas fixas à coluna de direção, que têm um toque muito satisfatório, mas não deixam espaço para mais nada. Os comandos dos piscas, luzes e limpa para-brisas estão todos nos braços do volante, o que se torna desconcertante a sua utilização com os polegares, pelo menos nos primeiros quilómetros.

Já que estou numa de críticas, junto também as reduzidas dimensões do ecrã tátil, que está colocado muito em baixo na consola, obrigando a desviar os olhos da estrada. Num carro com a performance do Huracán, não é a melhor opção… E a falta de sítios para guardar alguma coisa no habitáculo, um casaco que seja.
Rente ao chão
Claro que a posição de condução do Evo Spyder, como dos outros Huracán, é muito baixa, mas o banco é confortável, tem apoio lateral mais que suficiente e o volante tem uma regulação em alcance excelente, que me permitiu guiar com as costas um pouco mais reclinadas do que é meu hábito.

Entrar e sair do Spyder acaba por ser o mais difícil de tudo, tanto mais que a capota é mais baixa que o tejadilho das versões fechadas. Note-se que, neste modelo a Lamborghini usa portas de abertura convencional, uma preocupação a menos, para mim.
Engine Start
Para arrancar é preciso levantar uma “proteção” do botão “engine start”, pressionar o botão M uma vez, depois puxar a patilha da direita, com o pé no pedal de travão e finalmente acelerar. Uma encenação acompanhada por um “acordar” sonoro do V10.

Com um primeiro troço a passar por muitas povoações, todas com os seus radares de velocidade Autovelox bem assinalados, não houve muitas oportunidades de fazer o V10 atmosférico subir para lá das 4000 rpm.
Mas, até aí, sobe de regime com uma facilidade e suavidade que um motor turbocomprimido terá dificuldade em imitar. A aceleração 0-100 km/h anunciada é de 3,1 segundos e a velocidade máxima de 325 km/h.
Tecnica para o segundo turno
Altura de trocar de carro. O próximo foi o Huracán Tecnica. O motor tem a mesma potência, mas uma cartografia mais agressiva, sobretudo nos modos Sport e Corsa. A suspensão é mais firme, mas a maior diferença é que só tem tração atrás, por isso o binário desce aos 556 Nm às mesmas 6500 rpm de todas as versões.

O segundo troço começou com uma descida numa estrada muito sinuosa, com curvas fechadas e uma sequência de ganchos. Apesar de o piso estar cheio de folhas de árvores e ramos partidos, resultado do vendaval da noite anterior, não deixei de tentar perceber o que muda no Tecnica.
E muda muita coisa no tato da condução, mesmo no modo Strada. O carro sente-se mais tenso, mais firme, mais rápido nas mudanças de direção e com o acelerador claramente mais sensível. Numa saída de um gancho em segunda, a traseira sobrevirou sem pedir licença e sem acordar o ESC. Nada de dramático, mas a mostrar que esta é uma fera diferente.
A “explosão” do V10
Passei a usar terceira nestas situações, com binário mais do que suficiente para desenhar as curvas sempre com boa sensação de força e muito melhor tração.

Mais à frente, já com piso limpo de detritos, passei ao modo Sport e depois Corsa, o som do escape mudou por completo. Muito mais gritado, muito mais volumoso e mesmo alí por cima do ombro direito. Numa reta livre, desci a velocidade até quase parado, deixei o carro a deslizar em segunda e acelerei a fundo.
Piso a secar
A subida de regime é vertiginosa, acompanhada por um som cada vem mais frenético até chegar ao “red-line” acender as “shift-lights” e obrigar a uma patilhada com a mão direita, para repetir tudo outra vez. Um gozo incrível, este motor que leva o Tecnica aos 100 km/h em 3,2 segundos e atinge os 325 km/h.

Com o piso a secar, consegui começar a levar um pouco mais de velocidade para dentro das curvas, mas sempre com cautelas. A frente é leve e tudo aquilo que não queria era entrar em subviragem.
Nestas condições, isso acaba por ser a maior preocupação neste RWD, porque a tração dos enormes pneus traseiros é muito boa, sobretudo quando começam a ganhar alguma temperatura.
A solo no STO
Hora de almoço, de fotografias e vídeo. Depois de ter as imagens que precisava, peguei no STO e fui para uma volta a solo enquanto os outros colegas se preparavam para os aperitivos. Pouco mais de 20 minutos, mas muito esclarecedores.

O STO é o topo da gama, o mais desportivo dos Huracán. Não por ter mais potência, pois mantém os 640 cv e os 565 Nm. Mas porque tem uma gestão ainda mais agressiva do motor e caixa, tem um modo STO e outro Trofeo e uma suspensão a pensar na pista.
Tem também radiadores dianteiros oblíquos, que acabam com a pequena mala dianteira, uma asa enorme e uma entrada de ar para o motor sobre o tejadilho, que torna o retrovisor interior inútil. Precisava de ter um sistema de câmara de vídeo no próprio retrovisor.
Um animal de pista
A diferença para o Tecnica sente-se desde os primeiros metros. Suspensão a deixar perceber o tamanho da gravilha que os pneus pisam e uma reação ao acelerador ainda mais rápida. Direção um pouco mais pesada e escape ainda mais sonoro. É um RWD também, claro.

Arrisquei o modo Trofeo, pensado para pista, porque encontrei asfalto seco. Acelerando a fundo, (0 a 100 km/h em 3,0 segundos mas velocidade máxima de 310 km/h) a traseira já mostra outro temperamento, como se tivesse mais 100 cv. É preciso mais atenção ao volante, para manter o rumo.
Os bancos mais duros, agarram melhor o corpo e os punhos cerram-se mais no volante. O som do V10 é agora o de um verdadeiro GT3 de competição, metálico, mais agudo, bem mais repentino a subir de regime, com um acelerador mais preciso e imediato.

Tudo mais “bruto”
Sem que o tenha feito por completo, percebi que tirar o máximo do STO em estrada é tarefa que exige concentração e foco. Os travões têm um tato mais duro, a caixa parece mais “bruta” a cada passagem feita a regime mais alto. Em pista, deve ser uma experiência viciante.

Na estrada, é mais sensível ao mau piso, salta mais, exige mais do condutor e não o deixa sossegado. Baixei ao modo STO, para não baixar ao Pioggia, para piso molhado. E voltei à base a pensar que o STO está bem acima daquilo que é vagamente sensato fazer na estrada.
A maior “loucura”
Para o fim ficou o Huracán mais louco, o último a ser concebido, num momento de liberdade criativa que há poucos anos seria impensável, o Sterrato. Uma versão “off road” ou pelo menos uma versão “rali de terra” com mais 44 mm de altura ao solo e vias mais largas.

Infelizmente, não foi possível guiar o Sterrato em pisos de terra. O mais próximo que estive disso foi passar por cima de alguma terra e pedras que a enxurrada tinha trazido para o asfalto. Mas isso não significa que o exercício tenha sido inútil.

O Sterrato é o menos potente dos Huracán, com “apenas” (mais uma vez com muitas aspas) 610 cv e 565 Nm. Devo dizer que a diferença se nota, mas só pela diferente cartografia do motor. O que fica claro desde os primeiros metros no asfalto é o conforto da suspensão.
Um “set-up” interessante
O Sterrato pisa de maneira muito mais tolerante que os outros Huracán. A maior altura ao solo e o maior curso da suspensão permitem passar por cima de alguns obstáculos sem preocupações. Neste tipo de teste não cheguei ao limite da aderência, mas a sensação é a de que o Sterrato continua a ser um supercarro.

Acelera dos 0 aos 100 km/h em 3,4 segundos e tem uma calibração do acelerador menos agressiva, ficando-se pelos 260 km/h de velocidade máxima. É também o único que não tem direção às rodas traseiras, prevendo uma utilização exuberante em pisos de terra.
A magia do V10
Na “autostrada”, em modo Sport, o som do V10 muda de tom por volta dos 150 km/h e com carga no acelerador, enchendo os ouvidos. O desafio é manter esta banda sonora sem aumentar a velocidade e prolongar o momento.

Num túnel, abri os vidros, baixei a velocidade, reduzi até segunda e depois acelerei a fundo até ao red-line. O som, no limite da dor, vai ficar-me na cabeça durante muito tempo…
Apesar do aspeto “off road” um pouco ao estilo Hot Wheels, não se perde muito da estabilidade a alta velocidade, da rapidez de resposta do V10 e da caixa, nem da rapidez da direção.
Crossover?!
Com atenção, percebe-se que se vai um pouco mais alto em relação ao chão. Mas os problemas de visibilidade provocados pelos largos e muito inclinados pilares da frente mantêm-se.

E como o Sterrato também tem um “snorkel” sobre o tejadilho, o retrovisor interior só mostra tubos e peças de fibra, nada do que se passa atrás, que os retrovisores de fora também não apanham, devido aos alargamentos dos guarda-lamas traseiros.
Sinceramente, cheguei ao final a pensar que esta afinação do Sterrato talvez até fosse preferível, como base, à do Evo Spyder. Mas o marketing tem outras (e mais rentáveis) ideias, como é óbvio.
O mais vendido de sempre
O Huracán sucedeu ao Gallardo, que foi o primeiro modelo totalmente novo da Lamborghini, após a compra pelo grupo VW em 1998, partilhando muita coisa com o Audi R8.

Desde que foi lançado em 2013, o Huracán foi vendido em 30 000 unidades, fazendo dele o supercarro mais produzido de sempre pela Lamborghini.
A profusão de variantes manteve o interesse pelo modelo, que continua a ter lista de espera para algumas das versões mais especiais, quando estamos, previsivelmente, a um ano do final da sua produção.
O próximo é “plug-in”
A seguir vem um modelo híbrido “plug-in”, tal como aconteceu na passagem do Aventador para o Revuelto. O Huracán conseguiu manter o conceito do motor V10 atmosférico até ao fim da sua carreira, quando outros rivais há muito passaram para os motores turbocomprimidos.

O V10 de 5,2 litros, que começou como 5,0 litros no Gallardo, tem abertura a 90 graus, cárter seco, bloco e cabeças em liga de alumínio e injeção direta, com quatro válvulas por cilindro, atuadas por duas árvores de cames em cada uma das duas cabeças, comandadas por corrente. Tem variação de fase contínua na admissão e escape. A cambota é forjada em aço com intervalos desiguais de 90 graus e 54 graus.

Este Último Teste do Huracán vai ficar-me na memória, até porque foi feito exatamente no dia do 58º aniversário da apresentação do chassis do Miura, a 3 de Novembro de 1965 no salão de Turim. Afinal, foi o Miura que definiu a categoria dos supercarros, tal como a conhecemos ainda hoje.
Conclusão
A possibilidade de “saltar” de uma versão para a outra permitiu-me ficar com uma impressão muito precisa das diferenças entre as quatro versões e perceber porque uns clientes escolhem uma ou outra. Foi também um teste à integridade do Huracán, dadas as condições da estrada, que mostraram como um supercarro bem feito pode passar por sítios que, à primeira vista, fariam hesitar o condutor mais otimista. Uma despedida em grande de um carro que já é um clássico.
Francisco Mota
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