Ao contrário da moda, o Ioniq 6 não é mais um SUV elétrico. A Hyundai remou contra os ventos e marés desenvolvendo uma berlina aerodinâmica. Para saber o que ganhou com isso, nada melhor do que o Teste TARGA 67, conduzido por Francisco Mota e fotografado por João Apolinário.
Carroçaria “streamlined” é como a Hyundai classifica o seu Ioniq 6, uma berlina de linhas assumidamente aerodinâmicas, com um objetivo preciso.
Em vez de lançar mais um modelo na maré dos SUV elétricos, a marca Sul-Coreana teve a coragem de seguir pela via de uma carroçaria baixa e aerodinâmica. Contra ventos e marés, literalmente.

Melhorar a aerodinâmica para descer os consumos não tem nada de novo, mas a moda dos SUV atirou essa preocupação para trás das costas, deixando de ser tema de conversa.
Mas o Ioniq 6 recupera o desenvolvimento aerodinâmico como maneira de ganhar autonomia. Comparando com o SUV Ioniq 5, que utiliza a mesma plataforma e-GMP, os números são claros.
Melhor aerodinâmica
A marca anuncia um Cx de 0,288 para o Ioniq 5, claramente pior que os 0,21 do Ioniq 6. Mais ainda, a superfície frontal projetada do Ioniq 6 é bem menor que a do Ioniq 5, resultando num SCx inferior. Mas o perfil em meia gota de água precisou de um spoiler e de uma asa atrás, para manter a estabilidade a altas velocidades.

Depois há mais detalhes para melhorar a aerodinâmica, como os puxadores de portas encastrados, as entradas de ar ativas no spoiler da frente, “air curtains”, fundo carenado, derivas nas luzes de trás e opção por jantes de 18” muito fechadas.
O que se ganha
Os efeitos ficam claros nos números anunciados pela Hyundai. Considerando ambos os modelos com o mesmo motor traseiro de 228 cv e 350 Nm e a mesma bateria de 77,4 kWh (72,6 kWh úteis).
O Ioniq 5 anuncia um consumo combinado de 17,0 kWh/100 km e uma autonomia combinada de 507 km. O Ioniq 6 fica-se pelos 14,3 kWh/100 km e sobe aos 614 km. Tudo segundo as normas WLTP.

Detalhe importante, os consumos e autonomia do Ioniq 6 aqui citados são obtidos com as jantes aerodinâmicas de 18”. Optando pelas jantes de 20”, o consumo sobe aos 16,0 kWh/100 km e a autonomia desce aos 545 km.
Continua a ser melhor que o Ioniq 5, mas é uma opção que dá que pensar: estilo ou eficiência?… Ainda para mais porque a diferença de preço entre ambas as versões é de 5 400 euros, a favor da versão com jantes de 18” que tem menos equipamento.
“Desafio” para os olhos
Falando de estilo, pode dizer-se que é um “desafio” para muitos observadores. Não é um desenho de que se goste à primeira vista. Falo por mim, claro.

Mas também há questões mais objetivas que são afetadas pelo desenho com tejadilho baixo e descendente, do pilar central para trás.
Com 4,855 metros, é claro que não falta espaço em comprimento nos lugares de trás. Mas o piso é alto em relação ao assento, obrigando os joelhos a ficarem altos e as pernas mal apoiadas. Desconfortável em percursos mais longos.

A reduzida altura do tejadilho (1,495 metros) também aconselha a cuidados ao entrar e sair da segunda fila, para não bater com a cabeça. Lá dentro, há altura suficiente, porque as costas vão reclinadas.
Ergonomia podia ser melhor
Como é óbvio, o interior partilha componentes com o Ioniq 5, tais como o painel de instrumentos, ecrã tátil e o comando rotativo da transmissão, fixo à coluna de direção, atrás do volante, num local muito pouco prático.

Também os botões dos vidros elétricos estão aglomerados na consola central, porque os estilistas não queriam “estragar” o desenho das portas da frente. Mas as portas de trás, têm-nos…
Por baixo da consola há uma prateleira, mas sem divisórias que mantenham objetos seguros. O porta-luvas abre como uma gaveta, o que não é prático.

Na verdade, a perceção de qualidade do habitáculo não me agrada, muitos plásticos têm um aspeto e um tato abaixo daquilo que esperava num modelo como este, que pretende ser um rival do renovado Tesla Model 3.
Ao volante
A posição de condução é baixa em relação ao tejadilho, mas não tão baixa em relação ao asfalto, pois a bateria está por baixo. No entanto, a visibilidade é mais que razoável.
O volante tem uma linha de LED que se acendem em sequência e mudam de cor com a seleção dos modos de condução. O aro tem uma secção anatómica que se adapta bem às mãos, tem apenas dois braços e um botão para escolher os modos de condução: Eco/Normal/Sport.

A leitura do painel de instrumentos não é demasiado complicada, mas os gráficos precisavam de uma modernização. O mesmo para o ecrã tátil central, que tem algumas páginas com excesso de texto.
Os comandos da climatização estão acertadamente colocados em separado a meio da consola, sendo fáceis de usar sem desviar os olhos da estrada durante muito tempo.
Só versão RWD
O Ioniq 6 tem quatro portas, o acesso à mala é feito por uma tampa relativamente pequena, em vez de uma quinta porta, dando acesso a uma capacidade de carga de 401 litros, mais os 45 litros do “frunk” sob o capót da frente.

Para Portugal, o importador resolveu disponibilizar apenas a versão RWD de tração atrás, com a maior bateria de 77,4 kWh. Tem 228 cv de potência máxima e 350 Nm de binário.
Tal como no Ioniq 5, o sistema elétrico funciona a 800 Volt, o dobro da maioria dos concorrentes, o que permite carregar a bateria de 10 a 80% em 18 minutos, mas só se encontrar um super carregador de, pelo menos, 232 kW DC. O que não é fácil.
Confortável
A unidade que testei estava equipada com os pneus 245/40 R20, uns Pirelli PZero, com jantes de desenho muito mais atrativo que as aerodinâmicas de 18”.

Ainda assim, a suspensão faz um trabalho muito bom em termos de conforto, mesmo em piso estragado. O motor está muito bem insonorizado e a condução a baixa velocidade, em cidade, é muito suave.
A direção tem a assistência certa e o pedal de travão é fácil de dosear. A resposta do motor é pronta e decidida, sem ser nada exagerada, no modo Eco.
Gasta pouco em cidade
A intensidade de regeneração pode ser regulada através de patilhas no volante, em quatro níveis, existindo ainda um modo automático, que varia de acordo com as condições de trânsito e da via; e um modo i-Pedal, que é o mais intenso e leva até à imobilização.

O modo automático está bem afinado e foi o meu favorito neste teste, mas usei o i-Pedal para o meu habitual teste de consumos em cidade onde obtive um valor de 12,3 kWh/100 km, muito bom e que equivale a uma autonomia real em cidade de 590 km, considerando a capacidade útil da bateria de 72,6 kWh.
Em autoestrada, o consumo a 120 km/h estabilizados subiu aos 21,0 kWh/100 km, equivalendo a uma autonomia de 346 km. Já não é tão bom. Fica a dúvida de saber como seria com as jantes de 18”.
Boas prestações
A condução em autoestrada, usando os modos de regeneração menos intensos, é silenciosa e confortável. A insonorização da aerodinâmica e do rolamento está bem feita, a estabilidade direcional é boa e a sensação de ter potência disponível debaixo do pé direito dá confiança. A velocidade máxima anunciada é de 185 km/h.

Passando ao modo Sport, que torna o acelerador claramente mais rápido, ganha-se em vivacidade, como é lógico. A aceleração 0-100 km/h está anunciada em 7,4 segundos, um bom valor para um peso de 1985 kg.
E claro que se nota o peso na altura de travar forte, a inércia faz-se sentir, pois a suspensão não é focada numa atitude desportiva. Nos encadeados rápidos de curvas, as transferências de massas são amplas.
Dinâmica competente
A direção é relativamente rápida, mas dá pouca informação do que as rodas da frente estão a fazer. Quando se aumenta o ritmo, a frente tende a alargar a trajetória nas entradas em curva mais otimistas, mas o ESC trata de restabelecer uma atitude neutra, com intervenções discretas.

A utilização das patilhas da regeneração neste tipo de condução, dá um pouco mais de confiança no poder de retenção. Mas desligando o ESC, encontra-se “outro” Ioniq 6.
A natureza RWD de tração atrás vem ao de cima quando se acelera com mais intenção à saída das curvas. A traseira desliza ligeiramente, num movimento progressivo e fácil de controlar.

Não é uma sobreviragem que apareça por tudo e por nada, só quando o condutor realmente faz por isso. E se exagera, acaba por se sentir que a inércia começa a retirar a tal progressividade de que falava. Divertido, mas só até um dado ponto.
Conclusão
Com o Ioniq 6, a Hyundai propõe uma berlina elétrica aerodinâmica que, curiosamente, tem nos consumos em cidade um trunfo mais forte que na autoestrada. O estilo talvez não agrade a todos, mas tem o mérito de não ser mais um SUV num mercado que já tem tantos.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
Hyundai Ioniq 6 RWD
Potência: 228 cv
Preço: 64 790 euros
Veredicto: 3,5 (0 a 5)
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