Mais um teste de 1 mês a um elétrico, aqui no Targa 67. Desta vez é o Mustang Mach-E, o crossover desportivo da Ford. Autonomia, carregamentos, performance, dinâmica: como é viver com o Mustang que troca o V8 por dois motores elétricos?
Conviver durante 1 mês com um carro, seja ele qual for, é um teste que se aproxima daquilo que será a experiência de propriedade. Durante um mês, guiei o Mustang Mach-E quase todos os dias e nos dias em que não o guiei, pedi a companheiros de trabalho para serem eles a contribuir para este teste prolongado.
A ideia era descobrir como seria o dia-a-dia com este elétrico, usando infra-estruturas diferentes. No meu caso, totalmente dependente dos carregadores públicos, ou seja, dos carregadores rápidos e do meu cartão da EDP.

No caso do João, a questão do carregamento foi mais dividida e utilizando como meio de pagamento a aplicação Miio, para ver como funciona. Já no caso do Adelino, a questão do carregamento foi resolvida na tomada doméstica da garagem.
São três maneiras de viver com um elétrico, com custos e ansiedades de autonomia bem diferentes. Mas o teste obviamente não se resumiu à autonomia. Havia muito mais para descobrir durante as quatro semanas em que o Mustang Mach-E esteve em teste no Targa 67.
Um sacrilégio?
Talvez porque a apresentação aconteceu no já longínquo ano de 2019, antes da interminável pandemia, hoje, a polémica à volta do Mustang elétrico praticamente desapareceu.
Em dois anos, os elétricos ganharam terreno, no mercado e na mente de quem se interessa por carros
Um Mustang que se alimenta de eletrões em vez de octanas, já não causa irritação, apenas curiosidade.
Decidir se a carroçaria é a de um SUV coupé ou de um crossover, talvez seja a maior dúvida quando se olha para ele. O estilo mistura as duas tendências, com um perfil em que o tejadilho pintado de preto o faz parecer mais baixo do que é na verdade.
Muito espaço a bordo
E a verdade é que não falta espaço no habitáculo, nem em comprimento, nem em altura ou largura. O piso alto, que obriga a levar os joelhos altos e as pernas desapoiadas, no banco de trás, foi uma crítica recorrente de quem se sentou na segunda fila. O lugar do meio também é desconfortável.

Uma coisa é certa, a posição de condução agradou a todos os condutores, pela facilidade e amplitude de regulações e pela boa posição relativa do banco, volante e pedais.
A crítica mais frequente foi para o pouco apoio lateral do banco, sobretudo a andar mais depressa. O comando rotativo da transmissão, conhecido de outros Ford automáticos, não reuniu o consenso, sobretudo em manobras.
Um ecrã “à Tesla”
O gigantesco ecrã tátil central de 15,5”, posicionado ao alto como um tablet, não atraiu grandes críticas. Os botões virtuais são grandes e espaçados, por isso rápidos de usar.

A zona baixa tem sempre os comandos principais da climatização visíveis o que facilita o uso, mas obriga a desviar os olhos da estrada. Além disso, para regular a distribuição de ar no habitáculo é preciso abrir uma página específica.
Um dos condutores criticou a organização dos menus e a exagerada dimensão do ecrã, que distrai o olhar da estrada, além de o achar demasiado próximo do condutor.
O enorme botão rotativo para o volume do som não é uma obra de arte, mas funciona
Contudo, a página dos três modos de condução contém botões virtuais muito pequenos para ligar o “e-pedal” e o som de propulsão. O primeiro devia estar no volante, por ser de utilização frequente.
Podia dar mais informação
Um dos condutores criticou a falta de informação sobre a eficiência energética, referindo que não existe um gráfico de consumos, indicação de consumo instantâneo nem indicação da velocidade média, após fazer “reset” a um dos computadores de bordo. A atualização da média de consumos também foi criticada por demorar muito tempo a atualizar.

Pela parte positiva, foi elogiado o bom funcionamento do Apple Carplay e a existência de alguns botões físicos, para facilitar a adptação dos condutores menos habituados a lidar com ecrãs táteis.
Como se conduz?
Sobre a condução do Mach-E poderá ficar a saber tudo no vídeo que publiquei no canal YouTube do Targa 67.
Aqui, basta dizer que o desempenho em cidade foi elogiado por todos pela facilidade de operação, mas o conforto foi criticado, sobretudo nas lombas, onde o amortecimento se mostrou demasiado firme.
Em estrada, agradou o temperamento desportivo do Mach-E, provando que na Ford, não interessa qual é a energia que move os seus modelos.

Tratando-se de desportivos, como é o caso deste Mustang Mach-E de 351 cv, capaz de fazer os 0-100 km/h em 5,1 segundos, o prazer de condução está sempre presente. Mesmo com 2182 kg.
Fora o Porsche Taycan, a um nível de preço muito superior, não há, neste momento, nenhum modelo elétrico tão divertido de guiar numa estrada de montanha como o Mach-E. Mas isso são ocasiões raras para o comum dos condutores.
Carregamentos variados
Muito mais comum é lidar com os carregamentos. A primeira modalidade testada foi num carregador rápido, usando a aplicação para smartphone Miio. Esta, permite ligação a um cartão de crédito, ou pré-carregar um valor e ir gastando.
Nos primeiros dez dias, a utilização do Mach-E não foi muito intensa, mas bastante variada em termos de percursos e de condução. Completou apenas 220 km, o que fez descer a bateria de 93% para 49% de carga.
Pagar com uma App para smartphone é uma alternativa
A primeira carga rápida demorou 43 minutos e levou a bateria dos 49% para os 80% de carga (27,28 kWh). A parte boa deste carregamento pago através da aplicação, é que se fica logo a saber quanto se gastou. Neste caso, o preço foi de 15,39 euros e a autonomia subiu de 156 km para 301 km, num carregador de 50 kW.
Quanto custa a energia
Considerando um consumo em cidade de 15 kWh/100 km, cada 100 km percorridos custam 8,46 euros. Para comparação, um BMW X4 M40d, com motor Diesel de 340 cv, anuncia um consumo médio de 7,2 litros/100 km o que, aos preços atuais do gasóleo, custa 10,1 euros.

Ou seja, usar um carregador rápido coloca os custos com energia do Mach-E próximo de um modelo comparável com motor Diesel, para uma utilização mista.
Em casa é mais lento…
Por isso, nos dias seguintes, o Mach-E mudou de mãos, para ver o que acontece quando se carrega a bateria numa tomada doméstica. Para começar, é preciso usar o cabo apropriado, que facilita a consulta do carregador, pois fica junto da tomada.
O primeiro “choque” veio do tempo indicado para levar a bateria dos 48% aos 100%, nada menos do que 26h00. Foi um dia de imobilização do Mach-E para ter a bateria no máximo, o que se compreende pela lentidão do processo.

Mas, a partir daqui, o “modus operandi” dos carregamentos mudou completamente. Começando o dia com a bateria a 100%, os percursos diários somavam cerca de 120 km, envolvendo trânsito urbano e suburbano.
No final do dia, a bateria tinha consumido cerca de 25% o que nem exigiria ser carregada. Mas, para garantir uma carga máxima no dia seguinte, o Mach-E foi ligado à tomada doméstica durante a noite e, no dia seguinte, estava novamente a 100%, passadas cerca de 12h00.
… mas é 3 vezes mais barato
Com esta rotina, a ansiedade desaparece por completo, tanto mais que, com o passar dos dias, a autonomia máxima indicada com a carga máxima da bateria de 98,7 kWh, foi sendo atualizada, subindo de 389 km para 409 km e depois para 415 km, no final de mais dez dias de utilização.
Os custos destes carregamentos podem ser estimados a partir da fatura da eletricidade doméstica. O preço indicado é de 0,1569 euros por kWh, sem IVA. Ou seja, uma carga diária de 25% da bateria equivale a carregar 22 kWh, no caso da bateria deste Mach-E, o que tem um custo total de 4,24 euros.
Carregar a bateria em casa fica 3 vezes mais barato que num carregador de 50 kW
Durante este tipo de utilização (urbano e suburbano) o Mach-E gastou entre os 15 kWh/100 km e os 18 kWh/100 km o que é muito bom para o peso de 2182 kg.
Fazendo novamente as contas, considerando o carregamento feito em casa, cada 100 km ficam entre os 2,89 euros e os 3,47 euros. Ou seja, cerca de três vezes mais barato que num carregador rápido.
Com cartão é mais simples
O terceiro turno deste teste de 1 mês voltou a depender de carregadores públicos. A diferença é que o pagamento foi feito com um cartão EDP.

É preciso pedir o cartão, mas o processo é muito mais simples que a utilização de uma App (basta encostar o cartão ao monitor do carregador) mas a informação dos custos só aparece mais tarde, na fatura da eletricidade.
Problemas com a rede pública
A utilização de postos públicos de 50 kW, expõe o utilizador a uma série de problemas, que aconteceram neste teste. Num desses carregadores, numa estação de serviço citadina, a ligação entre o carregador e o carro “caiu” três vezes.
Os carregadores públicos têm problemas de fiabilidade
Estando dentro do carro, à espera que a carga se faça, é preciso atenção para perceber que isso aconteceu. Estando do lado de fora, basta olhar para a mudança na cor de uma luz indicadora que está perto da tomada do carro.
Ainda assim foi possível carregar uns 123 km para completar a viagem necessária. Mas sem nenhuma informação acerca da quantidade de kWh comprados.
Ansiedade da autonomia
Outra experiência negativa, que pôs à prova a minha resistência à famosa ansiedade da autonomia, aconteceu noutro carregador instalado numa área de serviço de uma autoestrada.
Depois de validado o cartão no monitor do carregador, de ligado o cabo e de estabelecida a comunicação entre ambos, o carregador anunciou que estava com um problema e não carregou.

Felizmente, a autonomia ainda foi suficiente para ir até à próxima área de serviço, mas viajando a 90 km/h, com A/C desligado e pé direito extremamente leve. Deu para ficar a saber que, abaixo dos 20% de carga, a bateria entra na “reserva”, com o número a passar de branco a amarelo.
Cheguei à segunda área de serviço com 18% da carga da bateria e 79 km de autonomia. Seguiu-se um carregamento de 39,52 minutos que levou a bateria aos 51%, comprando 28,54 kWh de energia.
Os custos deste carregamento só se ficam a saber mais tarde, com a próxima fatura da eletricidade doméstica. Está lá um campo que indica o custo unitário e a despesa total.
Custos, só na fatura da eletricidade
Na fatura está especificado o custo da eletricidade, a taxa OPC (Operador do Ponto de Carga) e a taxa IEC (Imposto Especial de Consumo de Electricidade). No total, a carga de 28,54 kWh, feita em 39,52 minutos, custou 12,16 euros.

Com esta tarifa e usando o cartão EDP, considerando o consumo em cidade, que rondou os 15 kWh/100 km, conclui que o custo por cada 100 km é de 6,39 euros, inferior em 24% ao primeiro carregador rápido, o que mostra também a diferença de preços entre carregadores públicos.
E as autonomias reais?
Fazendo as contas à autonomia, considerando a capacidade desta bateria, e gastando 15 kWh/100 km em cidade, a autonomia máxima é de 586 km.
Mas a experiência mostra que, para quem depende dos carregadores públicos, se torna desconfortável andar com menos de 100 km de autonomia na bateria. Se o carregador mais próximo estiver avariado, começa o “stress” de procurar outro.
Autonomia real em cidade é de 586 km, descendo para os 488 km, em estrada
Em autoestrada a 120 km/h, o consumo de 18,0 kWh/100 km resulta numa autonomia de 488 km.
Aqui, a questão da “reserva” é ainda mais crítica, pois se o carregador mais próximo está “offline”, avariado ou simplesmente ocupado (o que raramente aconteceu neste teste, pelo menos na autoestrada) tudo se torna mais complicado.

Mas este teste de 1 mês mostrou que, utilizado com alguma contenção, este Mustang Mach-E AWD de 351 cv e bateria de 98,7 kWh consegue autonomias muito boas, que tornam a sua utilização fácil, mesmo para quem não tem um ponto de carga privativo.
Conclusão
A maior conclusão deste teste de 1 mês divide-se em duas, mas ambas relacionadas com o carregamento. Por um lado, quem tenha uma garagem (ou lugar de garagem) com acesso a uma tomada, mesmo doméstica, pode fazer um dia-a-dia sem nenhum tipo de ansiedade.
Para quem dependa dos postos público, terá de “estudar” bem a rede disponível nas zonas onde utilizar o Mach-E, para ter sempre um plano “B”. Contudo, com as autonomias disponíveis, isso está longe de ser um problema diário.
Francisco Mota
(fotos de João Apolinário)
Ford Mustang Mach-E AWD
Potência: 351 cv
Preço: 66 787 euros
Veredicto: 4 (0 a 5)
Ler também seguindo o LINK:
Teste – Ford Mustang Mach-E: pode um SUV elétrico ser um Mustang?